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30 de mai. de 2011

HÁ UMA IMAGEM DEFORMADA DO NORDESTE. ENTREVISTA COM TÂNIA BACELAR


Santiago Vasconcelos
Tive o privilégio de ser aluno da professora Tânia Bacelar no mestrado e doutorado em Geografia da UFPE. É realmente um grande privilégio escutar de perto suas sábias e precisas palavras. Economista de formação é uma das poucas “cabeças pensantes” desse país que entende em profundidade a diversidade e as potencialidades do Brasil. Ela é a pessoa que melhor entende da “questão regional” brasileira, ou seja, das potencialidades e das desigualdades regionais do Brasil. Depois do grande esforço e contribuição de Celso Furtado para entender a região Nordeste no contexto do país, após sua morte, assume seu lugar a professora Tânia. Da mesma forma que Celso Furtado, Tânia não só pensa, ela é ativa e planeja os caminhos a ser trilhado para mudar a realidade de desigualdades. Suas idéias estão expostas em livros e em vários artigos publicados no Brasil e no exterior.
Enquanto profissional e cidadã, a professora já contribuiu com vários movimentos sociais e na elaboração do plano de governo do presidente Lula, atuou na Sudene, foi secretária de estado no Pernambuco, secretária executiva do Ministério da Integração Nacional (primeiro Governo Lula), conselheira da Presidência da República (Lula), entre tantas outras contribuições.
A professora Tânia é uma pessoa humana do melhor quilate, generosa, simples e com uma grande sensibilidade social e vontade de mudar a realidade que ainda vivenciamos de injustiça social.
A seguir, reproduzo entrevista concedida a Josué Nogueira e publicada no Diário de Pernambuco de 07.11.2010:
“A professora Tânia Bacelar nem imaginava. Mas, ao escrever o artigo ´O voto do Nordeste: para além do preconceito`, publicado na revista Nordeste e reproduzido por uma infinidade de blogs Brasil afora, antecipou uma resposta - e que resposta - à velha tese que motivou uma nova onda de ataques aos nascidos na área compreendida entre o Maranhão e a Bahia. O texto rebate com fatos e análises o conceito preconcebido de que os nordestinos são um peso para o país e que Dilma Rousseff (PT) só foi eleita presidente porque os eleitores da região votaram em troca do Bolsa Família. Nesta entrevista, Bacelar, doutora em economia e docente do departamento de Geografia da UFPE, aprofunda sua avaliação sobre os números das eleições no Nordeste. Diz que nos últimos oito anos, a região passou a receber investimentos em áreas estratégicas e que o resultado dessa ´atenção`, é crescimento, movimentação da economia, emprego, oportunidades.
O seu artigo responde à manifestação que ocupou o Twitter na semana passada sugerindo morte aos nordestinos por conta da vitória de Dilma. Como a senhora avalia essa situação?
Acho que esse debate reflete que existe um preconceito realmente e que há uma imagem deformada do Nordeste, principalmente no Sudeste e no Sul. Uma imagem de que o Nordeste é uma região de miséria, que é uma carga, como se não tivesse potencialidades. Isso reflete, primeiro, o desconhecimento da história do país. O Nordeste é o lastro econômico, cultural e político do Brasil. Mas num determinado momento dessa história, os investimentos e a dinâmica se concentraram no Sudeste e o Nordeste perdeu o trem da industrialização lá no século 20.
Quais perdas o país pode ter com posturas desse tipo?
A gente pode perder um dos aspectos pelos quais o país é admirado. Quem já viveu no exterior sabe que uma das características que tornam a nossa sociedade admirada lá fora é a capacidade de conviver com a diferença.
Em que áreas estão os potenciais do Nordeste?
O governo federal retomou o crescimento das universidades públicas. Fez quatro universidades na região. Cidades médias, como Petrolina (PE) e Mossoró (RN), não tinham universidades públicas. As pessoas têm potencial para se desenvolver, mas não têm oferta de oportunidade. Acho que a gente deve discutir onde devemos colocar os novos investimentos e o Nordeste já mostrou que pode dar uma resposta positiva com o pouquinho de mudança que já aconteceu nessa década. É errado achar que tudo o que é defesa de São Paulo é defesa do Brasil e tudo o que é defesa de qualquer outro lugar é ´defesinha` regional. São Paulo é muito importante mas não representa o Brasil. O Brasil é muito mais. A gente precisa balizar melhor esse debate sem deixar de reconhecer a importância de São Paulo. Mas não podemos caricaturar os outros de ser peso, de não ter com que contribuir.
O presidente Lula foi corajoso ao mudar o foco dos investimentos?
Lula teve um atributo muito interessante. Perdeu várias eleições, levou muito tempo se preparando para ser presidente do país e fez as tais caravanas. Eu atribuo essa leitura que ele tem do Brasil à chance que ele teve de conhecer profundamente o Brasil inteiro. Isso muda a cabeça.
Quem votou em Dilma aposta na continuidade do governo. Pelos discursos proferidos até agora por ela a senhora acredita que as políticas de investimento no Nordeste serão mantidas?
Tenho me surpreendido positivamente com ela. Por exemplo, o discurso feito no momento em que ela recebeu a notícia que tinha vencido, considero muito bom. Ela começa falando das mulheres, depois assume o compromisso com a eliminação da pobreza extrema. Diz também ter compromisso com os pequenos empreendedores do Brasil e assume isso. Achei muito bonito, depois de falar da erradicação da miséria, ela ter se lembrado dos pequenos empreendedores. O Nordeste está cheio deles.
As oligarquias deram sua contribuição para o enraizamento desse preconceito, não?
Parte da explicação vem das oligarquias. Para as antigas, ainda bem que elas estão morrendo e perdendo eleitoralmente. Os resultados dessa eleição são um novo baque. É importante lembrar que elas não só existem no Nordeste. Santa Catarina é um ´brilho` de oligarquias. No discurso delas não interessava mostrar potencial. Porque elas se locupletavam da miséria. O discurso reproduzia a miséria. Elas ajudaram a criar o preconceito”.
Entrevistador: Josué Nogueira, josuenogueira.pe@dabr.com.br
Fonte: Josué Nogueira, Diário de Pernambuco de 07.11.2010