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31 de mar. de 2011

Vida nova na terceira idade: aos 70, virou estudante compulsiva

Foto: Tatiana GerasimenkoAmpliar

Neuza está na "idade da juventude acumulada"

Após cuidar dos pais, dos filhos e dos netos, Neuza começou a olhar para si mesma e decidiu se atualizar. Já fez mais de 30 cursos

Ela não gosta de ser chamada de senhora, não curte o termo “feliz idade” e considera que a vida seja uma sucessão de momentos de “melhor idade”. Sabe, entretanto, que tudo pode recomeçar a qualquer momento, preferindo por isso a expressão “idade da juventude acumulada”.

Neuza Guerreiro de Carvalho é obcecada pela memória. Ainda bem, afinal, tem boas histórias para contar: aos 80 anos, possui três estantes recheadas de pastas com minuciosas retrospectivas de sua vida, da dos filhos e até mesmo das noras e genros. Mas se engana quem pensa que a documentação sirva de estepe para os tropeços da mente. Lúcida e apaixonada pela vida, a blogueira do Vovó Neuza que arrastou outras mulheres para o grupo de oficinas de memórias batizadas de “Seminovas” - um diálogo sobre São Paulo e, sobretudo, suas percepções acerca do mundo – deu um passo adiante aos 70. “Foi quando minha mãe morreu que as coisas começaram a mudar, porque meu marido já tinha morrido, meus filhos estavam seguindo suas vidas”.

Diante das circunstâncias, e não da idade (como ela faz questão de ressaltar), teve a oportunidade de fazer o que sempre quis - dar fôlego ao seu lado “estudante compulsiva”. Graduada em 1951 em História Natural pela Universidade de São Paulo, voltou a frequentar a USP em 2005 por meio do Programa Universidade Aberta à Terceira Idade. O desejo era antigo. “Pouco antes de me aposentar pensei em voltar a estudar, mais para me atualizar”, conta Neuza. “Fiz instrumentação cirúrgica, só que tudo era difícil com pai, mãe, filhos, netos”. Somente livre das responsabilidades da casa conseguiria finalmente se dedicar aos mais de 30 cursos finalizados desde então. Sua sede de conhecimento foi muito além da Biologia, e hoje ela exibe orgulhosa certificados que passam pelos mais diferentes campos do saber: psicologia, literatura, jornalismo, música, artes, etc.

Foto: Tatiana GerasimenkoAmpliar

Cursos em diferentes campos do saber: psicologia, literatura, jornalismo, música, artes e outros

Garota-propaganda da universidade
Tanto conhecimento e tantos registros não poderiam passar despercebidos. Por fim, começaram a ser compartilhados. Primeiro, com o site do Museu da Pessoa, para o qual Neuza escrevia. Vendo que tinha muito a contar, optou por criar seu próprio espaço na internet. “Meu filho disse para eu fazer um blog e eu pensei 'blog é para jovem', mas ele insistiu dizendo que eu não seria obrigada a fazer nada, faria o que eu quisesse”, diz ela, falando que hoje sua resistência existe em relação ao facebook (embora, sim, já tenha um perfil criado ali e que admita que uma hora terá que aderir). “Quando eu falava que tinha blog, todo mundo dava risada, mas tem gente que lê, sim”. Lêem, porque o que ela conta no blog é o testemunho de diferentes épocas.

Seus planos são muitos. “Tem noites que nem consigo dormir direito, porque é tanta coisa que passa na minha cabeça, tantas ideias, tantas associações”, comenta. Não sem razão, virou “garota-propaganda” da USP, aparecendo na capa e em diversas páginas do livro com a programação dos cursos para terceira idade, além de estar estampada em um outdoor na Cidade Universitária. Suas iniciativas tornaram-se exemplo para outras mulheres e homens, que se esforçam para resgatar o que havia sido antes concedido apenas na mocidade.

Para ela, no entanto, a juventude e todo o processo de amadurecimento ficam guardados em um pequeno baú, que ela chama de “caixinha da memória”, onde fichas temáticas reproduzem sensações de diversas experiências da vida. É o caso, por exemplo, da sua primeira relação sexual, que ganhou um papelzinho específico com a lembrança inclusive do que almoçou no dia seguinte. Se relembrar é viver, Neuza faz a lição de casa direitinho, mas nunca deixando de viver também para relembrar, e ser lembrada. “Se não fazemos retrospectivas, olhamos para trás e pensamos não ter feito porcaria nenhuma. Na hora que colocamos no papel, vemos quantas coisas conquistamos”.


DO IG MULHER