Em 184 anos de história, o Plenário do Senado talvez jamais tenha sido palco da algazarra ocorrida no fim da noite desta quarta-feira (1º), quando senadores quase saíram no tapa por causa da votação de duas medidas provisórias. Os senadores Mário Couto (PSDB-PA) e Marcelo Crivella (PRB-RJ), por exemplo, tiveram de ser apartados pelos colegas menos nervosos – boa parte dos demais gritava a contestar a condução da sessão deliberativa por parte da senadora Marta Suplicy (PT-SP). Resultado, depois de muita gritaria e descompostura: mais duas MPs foram arquivadas (MPs 520/2010 e 521/2010), totalizando quatro apenas neste ano, traduzindo-se em mais uma derrota imposta pela minoria ao governo e pondo em dúvida a relativa folga de que o Planalto goza na Casa.
A despeito da derrota, o fato é que agora o governo poderá se queixar da quebra do acordo firmado ontem (terça, 31) com a oposição em plenário, pelo qual apenas seria votada e aprovada a MP 519/2010, que autoriza à União a doação de alimentos a nações pobres. E, na sessão de hoje, seria concluída a tramitação das três MPs em pauta e que perderiam validade à meia-noite, com a garantia de não obstrução oposicionista.
Tudo começou depois da aprovação da MP 517/2010, que consumiu quase seis horas de debates acalorados e críticas, principalmente oposicionistas, ao fato de a matéria “ornitorrinco” reunir em seu texto 19 assuntos em 56 artigos. Por volta das 21h, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deixou o plenário e repassou a função para Marta Suplicy, que deu início às discussões sobre a polêmica MP 520/2010, relatada por Gleisi Hoffmann (PT-PR). A proposição cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S.A. (Ebserh), com o objetivo de administrar os hospitais universitários de todo o país.
O clímax da baderna foi verificado pouco depois das 23h, quando vários senadores já haviam desferido críticas à postura governista de impor ao Senado a aprovação, por meio da ampla maioria, das medidas provisórias. O senador Flexa Ribeira (PSDB-PA), que já havia discursado por duas vezes da tribuna – e tantas outras das cadeiras azuis do plenário –, queria questionar a relatora Gleisi sobre pontos do texto, em inversão do chamado aparte, quando quem está na “plateia” pede para intervir na vez do orador.
Mas Marta não permitiu o drible ao regimento interno. O tempo ia passando, e os cinco minutos regimentais de Flexa na tribuna chegavam ao fim – o senador parecia enrolar e deixar os minutos correrem, uma vez que as MPs deveriam ter sido apreciadas até a meia-noite, quando perderiam validade, como perderam. Nesse meio tempo, já se ouviam insultos de lado a lado, e Marta deu prosseguimento à sessão à revelia do plenário, lendo requerimentos e tentando ignorar a gritaria.
Microfones desligados
A situação ficou insustentável quando a senadora petista, alheia aos diversos pedidos de “pela ordem” (para discutir o mérito da MP), leu o requerimento de Marcelo Crivella pelo encerramento da discussão e início da votação – momentos antes, Crivella já havia pedido a palavra e constrangido alguns senadores ao exigir respeito à presidenta da sessão, em intervenção repetida por Lindbergh Farias (PT-RJ). A essa altura, os gritos se confundiam em alto volume.
“Os Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. Aprovado o requerimento. Encerrada a discussão. Em votação [a MP 520]”, prosseguiu Marta, simplesmente diante de senadores reunidos à sua frente, aos gritos – em certo momento a senadora cortou a captação de som dos microfones do plenário. A oposição veio abaixo.
“A ditadura já acabou!”, exclamou Cyro Miranda (PSDB-GO). “Nós vamos recorrer ao Supremo Tribunal Federal para anular esta sessão. Esta sessão é ilegal. Vossa excelência atua como representante de uma ditadura da Maioria no Congresso”, emendou o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), amparando-se no artigo 270 do regimento interno, que exige discussão de requerimentos apresentados em plenário.
“A senhora violenta o Parlamento, senadora Marta. A senhora violenta o Congresso Nacional”, gritava Aécio Neves (PSDB-MG). “Vergonha, Brasil, vergonha!”, gritou ao ponto de ter ficado rouco o líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), com as duas mãos levadas à cabeça e olhando para as câmeras das galerias superiores – pouco antes, o parlamentar goiano jogou ao chão, violentamente, uma espécie de cartilha que parecia ser o regimento interno do Senado. Com a cabeça raspada, Demóstenes exibia no couro cabeludo e no rosto a vermelhidão decorrente do exaspero súbito.
Blog do Tião Lucena