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14 de out. de 2013

Caatinga vive maior seca em 30 anos e ameaça de colapso agrícola

Área atingida tem 1,3 milhão de km² e serve de moradia para 30 milhões de pessoas.

Dentro de um Brasil admirado no mundo inteiro por seu desenvolvimento econômico há outro país, ainda invisível ao progresso e contaminado por um problema crônico – a aridez – que só faz piorar. A nação da Caatinga, formada por 1.482 municípios espalhados por 1,3 milhão de quilômetros quadrados, vive sua maior estiagem dos últimos 30 anos. Só na Bahia, mais de 214 cidades já declararam estado de emergência. Rios secaram a ponto de se restringirem à areia fina.

Este evento extremo vai se resolver, mas, em breve, pode ser seguido por outro. E, entre uma seca e outra, a produção agrícola entra em colapso – fenômeno agravado pelo clima global.

Todas as projeções do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas apontam a Caatinga como o bioma mais frágil do País. É, na verdade, a maior área do mundo suscetível à desertificação. Em algumas regiões de Pernambuco, a temperatura média já aumentou 3 graus Celsius desde 1960. Considerando todo o Nordeste, os termômetros teriam ganhado, em média, 1,5 grau Celsius no mesmo período.

“Um bioma consegue se regenerar com, no mínimo, 50% da cobertura original. A Caatinga só tem 45%”, alerta Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária. “A chance de desertificação, portanto, é muito grande. E não há qualquer ação coordenada para salvar esta região”.

De acordo com a Embrapa, haverá, em todo o Nordeste, uma grande queda na produção de milho, arroz, feijão, algodão, girassol e mandioca nas próximas décadas. Estas culturas conseguem sobreviver na Zona da Mata, onde há lençóis freáticos que sustentam estas plantações, mas não no interior. No semiárido, segundo Assad, sobrevivem planos de “convivência com a seca”, como fruteiras que produzem jaca e manga, mas sem os devidos recursos e divulgação.
“É um projeto com mais de 30 anos. Ainda há, no entanto, dificuldades para sua aplicação, porque os agricultores insistem com o feijão e o milho. Não há mais clima para estas culturas”, explica o pesquisador.
Cerca de 80% das variações na produtividade agrícola se devem a mudanças meteorológicas durante a época de cultivo. No semiárido, este período úmido, dedicado ao preparo do solo, semeadura e irrigação, está cada vez mais curto. Em algumas regiões, já dura menos de três meses. A agricultura de subsistência é a maior vítima deste colapso agrícola, porque seus responsáveis têm menos recursos para se adaptarem, assim como fontes de água disponíveis.

Também por não contar com a orientação necessária, o morador do semiárido pode agravar o processo global de desertificação, pois ele se dedica ao pastoreio e outras formas irregulares de ocupação do solo, deixando o bioma ainda mais vulnerável.

“Existe uma carência muito grande de educação”, lamenta Javier Tomasella, coordenador de pesquisas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). “A agricultura familiar do semiárido é um caso especial. Em vez de os produtores irem até a informação, é o governo que tem de levá-la. E muitas vezes os dados necessários já existem em forma de pesquisa científica, mas ainda não foram levados às pessoas interessadas. Há pequenas propriedades que, com a orientação necessária, podem se unir e formar cooperativas de médio porte com retorno financeiro. Esta deveria ser a solução para quem depende deste bioma”, destaca.

Se houver ligação adequada de água, segundo Tomasella, há produção econômica de qualidade. É algo que evolui, mas ainda com “problemas de redistribuição”. “Claro que estes programas ainda estão aquém do que gostaríamos”, ressalta. “Mas este manejo exige muito investimento. Um metro cúbico de água pesa uma tonelada. Imagina o quanto custa deslocar isso”.

O Cemaden promoveu, no mês passado, um evento em Fortaleza para encontrar soluções capazes de salvar a agricultura da Caatinga do colapso. Antes, no entanto, é preciso definir o que é desertificação. Diversos países europeus que sofrem com a aridez, como Itália, Grécia e Espanha, desenvolveram um critério único para detectar a ameaça de estiagens. No Nordeste, porém, cada cidade ou estado colhe suas informações, sem intercâmbio com a área vizinha.

A falta de diálogo entre municípios tão próximos deve-se, em parte, à negligência com que o bioma é tratado há décadas pelo poder público, que blindou os poucos dados climáticos existentes do acesso pelas instituições científicas.

“O Nordeste tem uma disponibilidade considerável de dados relacionados à chuva, mas durante muito tempo, principalmente no período da ditadura, parte dos índices meteorológicos foram considerados informações de segurança nacional, por isso ficavam trancados a sete chaves”, lamenta Sentelhas. “A consequência é que, por 40 anos, ficamos inertes, sem gerar tecnologia. Os estudos pluviométricos são insuficientes se não forem combinados com outros, relacionadas à umidade relativa, por exemplo”.
As redes meteorológicas também são escassas, considerando o tamanho da região semiárida. E, mesmo onde existem estações, sua manutenção é precária. Como não há séries históricas – seja porque há pontos de estudo instalados apenas recentemente, seja porque suas informações ainda estão “trancadas” -, os estudos de agrometeorologia seguem incompletos.

Enquanto novas informações são produzidas, o Cemaden e outros institutos tentam criar um índice único para definir o que é desertificação. Com base nele, será feito um diagnóstico de toda a situação do Nordeste. Depois, será possível atualizá-lo. Há, por exemplo, um mapa do que ocorreu com a vegetação durante a década passada. É um período pequeno, em termos de pesquisa científica, mas, considerando um bioma tão ameaçado, já é um começo.

As Nações Unidas promoveram, entre os dias 23 e 27 da semana passada, a Semana da Desertificação. A iniciativa visa colocar o problema, assim como o uso indevido do solo, no centro dos debates da Rio+20. A preocupação decorre de situações vivenciadas em biomas como a Caatinga – e, também, das cifras. Eventos climáticos extremos causam prejuízo global de US$ 41,3 bilhões. Entre os fatores responsáveis pelo colapso na agricultura no mundo estão as inundações (que respondem por pouco mais de metade dessa perda), ventos ( 30%) e secas (10%).

No Brasil, porém, as estiagens são as maiores responsáveis pelo prejuízo promovido pelo clima no campo. Segundo Sentelhas, todas as áreas produtoras de fibras, energia e alimentos no País são suscetíveis a secas. O semiárido, porém, merece atenção especial.

Daí vem o interesse manifestado pelo Cemaden. Afinal, se a integridade do bioma não for garantida, a produção de alimentos corre riscos, assim como a fixação dos 30 milhões de habitantes da Caatinga. Sem ter do que viver, eles podem deixar a região e desencadear um processo desordenado de urbanização.
A desertificação depende de vários componentes, além da temperatura. Alguns deles podem ser evitados com a mudança na forma de cultivo. “Usar a irrigação muito frequentemente pode provocar riscos ao semiárido”, alerta Sentelhas. “A água chega à cultura acompanhada por uma concentração de sais. A água evapora e o sal fica, a não ser que uma chuva venha e o tire dali. Se ele permanecer, pode levar à esterilidade daquela área”, explica.

É preciso, de acordo com o pesquisador, criar um sistema que monitore o colapso desta produção. E este esforço é multidisciplinar: reúne especialistas de meteorologia à agronomia. Dessa forma, podem ser gerados sistemas que respondam às necessidades do campo em cada região.

“O custo de produção e da terra é cada vez mais alto”, lembra Sentelhas. “Os donos de empreendimentos estão cada vez mais preocupados em aumentar sua eficácia. É uma boa oportunidade de conjugar eficiência econômica e desenvolvimento sustentável”.

(O Globo – 1º/5)