Do tradicional trio de forró pé-de-serra à mais moderna banda de forró estilizado, ela está lá ditando a melodia do arrasta-pé. Majestosa, a sanfona transforma acordes em sons inesquecíveis. Qual nordestino não lembra de suas raízes quando ouve os primeiros sons de ‘Asa Branca’, canção de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, consagrada como hino do Nordeste?
Neste mês de junho, Campina Grande vive 30 dias de festa ao som da sanfona no Maior São João do Mundo. De acordo com o pesquisador Paulo Vanderley, que coordena um memorial sobre o Rei do Baião no Pátio de São Pedro, em Recife, foi a partir deste intrumento que a alma nordestina começou a ser traduzida na música. Com sua parceira inseparável apoiada no peito, Gonzagão gravou há 61 anos ‘Forró de Mane Zito’, a primeira canção batizada de ‘forró’.
Hoje, o som popular de tão apreciado ganhou ares de erudito com as chamadas ‘orquestras sanfônicas’. Uma das primeiras do país foi a Sanfônica do Cariri Paraibano. Hoje outros músicos se reúnem em grupos do mesmo gênero em Aracaju (Sergipe), Mossoró (Rio Grande do Norte) e até em São Paulo.
E já que é da sanfona que nasce o forró, o Paraíba1 mostra como este símbolo nordestino é produzido. Visitamos uma fábrica legitimamente paraibana e acompanhamos o passo a passo da criação do instrumento.
Como nasce uma sanfona
Apesar de serem utilizadas em festas populares, as sanfonas (ou acordeons) mais cobiçadas são caras e requerem um processo cuidadoso de ‘nascimento’. Muita gente pode não saber, mas são poucas as fábricas no Brasil que criam sanfonas do ‘zero’. O processo, na maioria das vezes, é apenas de montagem a partir de peças importadas principalmente da Itália, onde estão as marcas mais renomadas do mundo.
E uma das fábricas mais conceituadas do Brasil está na Paraíba, onde a sanfona ganha vida sob o olhar do cantor e instrumentista paraibano Amazan (foto acima), que há sete anos abriu a 'Leticce'. Hábil em reparos técnicos de acordeons, ele aceitou a sugestão de um amigo e montou o próprio negócio. Apesar do descrédito de especialistas quando buscou aprimoramentos na Itália, a iniciativa rendeu frutos.
Afinal, quem melhor do que Dominguinhos e Flávio José para aprovar o instrumento ‘made in Campina Grande’?
O processo, segundo Amazan, utiliza equipamentos e linha industrial, mas é totalmente comandado a mãos, o que torna cada acordeon único. São quatro etapas de produção:
- Marcenaria: onde a madeira de mogno bruta é cortada em serra e lixada. A partir das tábuas moldadas são montados os ‘móveis’, peças que começam a dar forma à sanfona. Neles ficarão abrigados os itens que transformarão movimento em som, como os baixos, as teclas e as ‘vozes’.
- Revestimento: para esta segunda fase é utilizada a celulóide, um material importado responsável pela aparência da sanfona, sua cor ou estampa. Com a firmeza de um PVC, a celulóide passa por um processo químico para se tornar maleável e em seguida é moldada em cima da peça de madeira. Depois de coberto, o móvel ‘descansa’ por 15 dias para aderir à madeira e é polido, ganhando o brilho especial dos instrumentos admirados nos shows.
- Montagem: a fábrica produz sanfonas de oito e de 120 baixos. Nesta etapa cada peça responsável pelo som final é encaixada ao móvel revestido. São os teclados, os baixos, o fole e as ‘vozes’, espécies de pequenas gaitas que geram o som a partir do movimento do fole.
- Afinação: por fim, os sons são ajustados num equipamento eletrônico. Apesar do uso da tecnologia, é o ouvido do técnico que faz toda a diferença caso algo saia errado na harmonização das vibrações sonoras.
Acompanhe o processo de fabricação na galeria de fotos abaixo ao som de 'Asa Branca', interpretada por Dominguinhos, Sivuca e Oswaldinho:
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Da Paraíba para todo o país
As sanfonas paraibanas de Amazan são 'exportadas' para vários estados do país e ganharam espaço de prestígio em palcos de artistas como Dominguinhos, Alcimar Monteiro, Flávio José, Delmiro Barros, Genival Lacerda, da dupla Sirano e Sirino e das famosas bandas de forró Magníficos, Cavaleiros do Forró e Cavalo de Pau.
Por mês, são fabricados cerca de dez instrumentos na Leticce, que custam de R$ 9 mil a R$ 16 mil. Uma encomenda de acordeão customizado pode levar de 45 a 60 dias para ficar pronta. “Para ser bom, tem que ser montado a mão”, defende Amazan com a experiência de quem domina a arte de tocar sanfona há 27 anos.
Portal Correio