Primeiro descendente de quilombola a assumir uma cadeira na Câmara, em 1995, o deputado Domingos Dutra (PT-MA) está em contagem regressiva para cair na Rede, partido em processo de criação liderado pela ex-petista Marina Silva. No sábado passado (3), Dutra foi às lágrimas ao confirmar, em um evento no município de Milagres (MA), a decisão de deixar o partido que ajudou a fundar há 33 anos. Um choro que ele põe na conta do ex-presidente Lula, apontado pelo deputado como o principal responsável pela aliança do PT maranhense com o que chama de “a mais nojenta e antiga” oligarquia do país, a família Sarney.
“Enfrentamos os piores momentos, como a ditadura e a oligarquia Sarney, vendendo camiseta, fazendo feijoada, enfrentado pistoleiro para construir o PT e ver o Lula presidente. O resultado foi Lula na Presidência. Mas o amigo dele na Presidência foi o Sarney. E os fundadores do PT foram relegados”, reclama Dutra. O petista afirma que a única hipótese de seguir no partido seria o improvável rompimento do PT com o “curral” de Sarney.
Leia a íntegra da entrevista de Domingos Dutra
Para o deputado, Lula fez um “governo bom”, mas perdeu a “oportunidade histórica” de mostrar ao país que é possível fazer política de maneira diferente. “Pela popularidade, pelo carisma e pela inteligência que tem, Lula poderia ter melhorado a política. Mas, pelo contrário, ele inflou a ação de figuras como Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá”, critica. “Todos os estados se beneficiaram do governo do PT, mas o governo do PT manteve o Maranhão no estado de miséria”, reforça.
De olho agora numa cadeira no Senado em 2014, Domingos Dutra não se esquece da intervenção feita pelo PT nacional no diretório maranhense, em 2010, para impedir que o partido apoiasse a candidatura de Flávio Dino (PCdoB) contra Roseana Sarney (PMDB) na disputa pelo governo estadual. Intervenção determinada, segundo ele, por Lula. “Até hoje não explicaram qual é o tamanho da dívida que o governo e o PT têm com o Sarney. Quanto mais Sarney humilha o PT, mais ele cobra o PT não sei o quê”, dispara.
Por causa da intervenção, Domingos Dutra chegou a fazer greve de fome por dez dias no plenário da Câmara. Para acabar com o protesto, a direção do partido acabou permitindo que ele apoiasse a candidatura de Dino. Não adiantou muito. Roseana acabou reeleita em primeiro turno.
Para o deputado, o PT acabou “engolido” pelo “sistema” desde que passou a abrir o leque de alianças partidárias e a ter um perfil mais “elitista” de militantes. “Os filiados pobres não apitam mais no partido. Os operários e os servidores públicos foram tomando conta do PT. Os atingidos por barragem e os quilombolas, por exemplo, já não apitam mais”, afirma.
Estômago embrulhado
Ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, atualmente presidida pelo deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), Domingos Dutra diz que é grande o incômodo de parlamentares petistas com a aliança do governo Dilma com setores conservadores. Um desconforto que, segundo ele, alcança até mesmo a presidenta da República. “Dilma não tem o mesmo nível de tolerância para negociar com essas figuras como Lula tinha”, ressalta. “Fazer certas concessões para governar dá gastura e embrulha o estômago de Dilma”, avalia.
Para o deputado, parte da culpa por essa situação vem do próprio eleitor, que ainda faz escolhas equivocadas durante as eleições, a ponto de eleger um Congresso e um governo com perfis antagônicos. A outra parte da culpa, acrescenta, vem do peso cada vez mais crescente do poder econômico sobre o resultado das eleições. Uma realidade que, segundo ele, está longe de ser alterada, mesmo com a onda de manifestações que sacudiu o país nos últimos meses. “Nas manifestações, menos de 5 milhões de brasileiros estavam nas ruas num país de 200 milhões de habitantes. O pessoal mais pobre, do Bolsa Família, do Pronaf, ficou calado. Quando chegar a campanha, por causa do poder econômico, não tenho esperança de que saia das ruas um Congresso revolucionário nem uma safra de governadores éticos.”
Dutra acredita que, apesar das críticas à criação de uma nova legenda (já são mais de 30 no Brasil), a Rede tem condições de fazer a diferença por causa do perfil das pessoas que agrega e pela proposta de fazer política de outra maneira. “Na Rede, a direção é horizontal, não tem presidente ou porta-voz. O político só poderá ter, no máximo, 16 anos de mandato. Isso vai permitir candidaturas cívicas de movimentos sociais”, afirma.
Mas, para se tornar realidade, a Rede corre contra o tempo: precisa reconhecer em cartório 491.656 assinaturas até o começo de outubro. Até o momento, os aliados de Marina conseguiram certificar 160 mil assinaturas. O grupo alega ter em mãos o apoio de mais de 800 mil eleitores. A sobra é necessária, já que muitas dessas assinaturas não são reconhecidas pela Justiça eleitoral. Dutra diz estar confiante que a meta será alcançada e que só pensará na hipótese de se filiar a outra legenda, já constituída, caso a Rede não vingue. “Só há uma possibilidade: se o PT do Maranhão sair do curral do Sarney.”