A tragédia no semanário Charlie Hebdo acirrou na Europa o conflito político-ideológico entre a direita radical difusora da islamofobia e a esquerda, com a sua bandeira de integração centrada na formação de uma igualitária sociedade multiétnica.
Está no Levítico (24:16)
"Quem blasfema o nome do Senhor deve ser morto"
À frente dessa direita populista na França está Marine Le Pen, da Frente Nacional, na Itália Matteo Salvini, da Liga Norte. Ambos com posições xenófobas e favoráveis à revogação do Tratado de Schegen, a cidade luxemburguesa onde foi celebrado, em 1985 (seria aperfeiçoado em 1995), ao estabelecer a livre circulação de cidadãos pela União Europeia.
Essa dupla não distingue a presença majoritária de islamitas pacíficos e minorias reunidas em associações terroristas salafistas financiadas, muitas vezes, como foi o caso de Osama bin Laden, por uma elite endinheirada, encastelada nas petromonarquias da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes e do Catar.
Melhor: trata-se de associações terroristas com atuação em rede planetária e adesão a um integralismo de matriz político-religiosa. Essas organizações não aceitam o pluralismo de ideias e de programas, a laicidade do Estado, a liberdade de opinião e de imprensa, a democracia. Abraçam o totalitarismo religioso. Seus integrantes estão sempre prontos a matar aos gritos de Allahu akbar (Alá é grande) ou de invocar, para justificar os bárbaros crimes, o nome do profeta Maomé, em equivocada interpretação do Alcorão. A propósito das charges do semanário, não é o Alcorão, mas a Bíblia, no Levítico (24:16), o único livro sagrado a sancionar a blasfêmia com pena de morte: “Quem blasfema o nome do Senhor deve ser morto”.
Para Marine Le Pen, as mortes no Charlie Hebdo revelaram “não ser a Europa capaz de defender seus cidadãos contra o terrorismo”. Le Pen não atentou a dois fatos significativos que envolvem, no caso da integração étnica, islamitas praticantes. O policial de origem árabe e religião islâmica Ahmed Merabet enfrentou até a morte, na calçada defronte à sede do semanário, os dois irmãos Kouachi. Seus familiares, em entrevista coletiva que Le Pen prefere ignorar, ressaltaram: “Ahmed era de fé islâmica e os seus assassinos uns falsos islamitas, pois o Islã é uma religião de paz”.
Na tragédia do dia seguinte, o malinês Lassana Bathily, funcionário do armazém de produtos kosher onde quatro reféns foram assassinados, salvou mais de uma dezena de hebreus. Bathily escondeu em uma câmara frigorífica, depois de desligar o sistema refrigerador, diversos judeus em compras no mercado. Salvou-os da ira e das balas do fanático Amedy Coulibaly. Na véspera, Coulibaly havia matado uma policial estagiária desarmada em um parque da comuna de Montrouge.
Na seara policial e de inteligência, muitos pontos precisam ser esclarecidos. A Al-Qaeda da Península Arábica, sediada no Iêmen, reivindicou, após autorização de Ayman al-Zawahiri, sucessor de Bin Laden e chefe da Al-Qaeda central, a autoria do atentado no Charlie Hebdo, conforme um vídeo de 11 minutos.
Pelos sinais, tudo pode ter nascido de iniciativa escoteira de uma célula doméstica e autônoma fundada em 2005 pelos irmãos Kouachi, com adesão de Coulibaly e predicações de Djamel Beghal. Essa célula chegou, no parque francês de Buttes Charmont, a atuar na arregimentação de jihadistas para o Iraque e, posteriormente, à Síria.
Chérif Kouachi e Coulibaly foram condenados, com penas de 3 e 5 anos, por tentativa de tirar da penitenciária o terrorista Ali Belkacem, autor de um atentado no metrô em 1995. Chérif ficou sete meses preso e recebeu livramento condicional, enquanto Coulibaly deixou a cadeia em julho de 2014. Até então, a célula atuava com autonomia, por sua conta e risco. A Al-Qaeda central, desde Bin Laden, pregava, via ciberterror, a ordem do “faça você mesmo a sua parte sem precisar consultar, salvo em questões religiosas”.
Interessa à Al-Qaeda colocar no currículo um segundo 11 de Setembro, desta vez na França. Ainda mais por estar em conflito com o Estado Islâmico, que logrou ocupar um território, enquanto seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, proclamou-se califa Ibrahim, o que deve ter levado Bin Laden a se remexer de inveja no fundo do mar. O sonho não realizado de Bin Laden era ter um califado. Registre-se: os irmãos Kouachi avisaram pertencer à Al-Qaeda. Não esclareceram, no entanto, se estavam sob ordens alqaedistas.
Pergunta: a versão oficial a ser apresentada vai ou não coincidir com a verdade real?
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