5 de abr. de 2014

Moralismo a serviço da imoralidade

Na iminência do debate eleitoral, a canalhocracia se esforça para grudar em Dilma Rousseff a mancha da corrupção

Certa feita, fui à sala do presidente da República comunicar que iria romper com ele e com seu partido. Denunciei, entre outras razões, a corrupção sistêmica instalada em seu governo. Na data era o Ministério dos Transportes. O responsável, um quadro do PMDB, claro. A resposta me frustrou muito, mas nunca esqueci. “Ciro, um dia você vai sentar nesta cadeira”, me disse, em tom acadêmico e apontando para a cadeira presidencial. “E aí vai ver que o presidente que não contemporizou com o patrimonialismo, caiu.”

Essa memória me voltou por esses dias com muita força a propósito do esforço que a picaretagem tupiniquim faz para imputar em Dilma Rousseff a tisna da corrupção. É, sem dúvida, a agitação moralista a serviço da genuína imoralidade. Ou, em termos mais populares, são os corruptos na tentativa de arrastar para o seu universo podre uma pessoa clara e insofismavelmente decente.

Quem me acompanha sabe que não sou o maior entusiasta do atual governo. O leitor mais atento conhece minha opinião sobre o grande despudor com que o condomínio PT-PMDB – sejamos justos, partes grandes dele – se entranha nas tetas públicas. Mas não é possível calar diante do despudor com que a canalhocracia assesta suas baterias contra Dilma Rousseff na iminência do debate eleitoral.

E a resposta dos governistas mais apressados apenas provará ao povo brasileiro, especialmente aos jovens, aquilo que o preconceito generalizado afirma para gozo dos plutocratas: não há vida limpa na política brasileira. Vamos investigar também, além da roubalheira na Petrobras, a roubalheira no metrô de São Paulo e a roubalheira no porto de Sua-
pe, em Pernambuco. Teríamos assim, das duas uma: ou todos os três grupos que se preparam para disputar a Presidência da República são igualmente sujos e corruptos, ou, o mais provável, “vamos deixar disso” e arquivar tudo. Em um caso e noutro, irresponsáveis, o que os senhores estão fazendo é enterrar a jovem democracia brasileira.

Essa absurda compra de uma refinaria sucateada nos Estados Unidos foi feita em 2006. Por que a mídia só trata desse assunto agora? Aqui mesmo, neste espaço, em outubro do ano passado, falei mal desse absurdo pela enésima vez sem que ninguém desse a menor bola. Por que agora? Explico. Dilma resolveu confrontar o centro da máfia congressual na Câmara dos Deputados, que eu conheço bastante bem e já denunciei mil vezes sem a menor repercussão.


Em Brasília vive-se em uma ilha da fantasia em que a ladroeira é segredo de polichinelo. Todo mundo sabe, por exemplo, como a Petrobras contrata empresas de prestação de serviços e a quem elas pertencem. E todo mundo sabia que Dilma Rousseff demitiu o grande “operador” petista Sergio Gabrielli e por quê. Todo mundo sabia que foi ele quem comprou a tal refinaria no Texas e que a minuta do “negócio” tinha sido levada ao Conselho de Administração sem as cláusulas aberrantes. Todo mundo sabia que em 2008 Dilma revelara toda sua indignação com o que se processara e, mesmo contra outra cláusula aberrante, levou o Conselho a vetar a compra da outra banda superfaturada, que, enfim, só se consumou por ordem da Justiça arbitral americana. Por que só agora o escândalo em horário nobre da (sempre ela) Globo? Por que não se esclarece com a ênfase devida que tudo aconteceu muito antes do governo Dilma?

Atenção, Eduardo Campos e Aécio Neves, saiam dessa armadilha. Ela comerá seus corações e fígados como comeu os de Fernando Henrique Cardoso e os de Lula.

Ou... chega de intermediários! Eduardo Cunha para presidente!

Ciro Gomes
Carta Capital