Responsável pela importação de lixo e restos hospitalares dos EUA para o Brasil, a empresa N A Intimidade Ltda-ME, com sede em Santa Cruz do Capibaribe (a 185 km do Recife), recicla o material norte-americano, transforma-o em cortes de bolso e vende os produtos a fábricas de confecções de todo o país e até a outros países pela internet.
Segundo apurou o UOL Notícias, a “Império do Forro de Bolso” --nome fantasia da empresa-- teria surgido em 2009 e é hoje a maior do polo têxtil pernambucano, localizada no agreste do Estado e responsável pela produção de 57 milhões de peças ao mês.
Além de vender diretamente em lojas nas cidades de Santa Cruz do Capibaribe e Toritama, a empresa usa sites de venda direcionados a produtos têxteis nacionais e internacionais, com linguagem em inglês e em espanhol, para anunciar seus produtos. O contato da empresa sempre é o seu diretor Altair Teixeira de Moura.
Em uma das páginas, que divulga produtos em inglês, a Império do Forro de Bolso aponta que vende “forro de bolso para calça jeans social, cortados sob sua medida”. Não há, porém, a confirmação de concretização de vendas para outros Estados ou países.
Enquanto nas lojas de Santa Cruz do Capibaribe e de Toritama o quilo do tecido é vendido por R$ 8,50, pela Internet a empresa vende, em sua página oficial, vários modelos de forros prontos a R$ 14 o quilo. O site da empresa é recente: foi criado em 31 de janeiro deste ano.
A página utiliza a ferramenta de vendas eletrônicas e aceita encomendas e pagamento com vários tipos de cartão de crédito. Aempresa cita, entre “os princípios que nos guiam”, a“honestidade, transparência e atitude positiva na aplicação das políticas internas e no cumprimento das leis” como “valores” adotados. A N A Intimidade Ltda-ME, porém, é acusada de descumprir a lei brasileira, que proíbe a entrada de resíduos químicos que ponham em risco à população e o meio ambiente.
Empresa “líder”
Apesar de ser uma empresa nova e com menos de dois anos de atuação, os empresários do polo têxtil pernambucano ouvidos pelo UOL Notícias são unânimes em afirmar que a empresa supriu uma lacuna do setor e hoje é a maior vendedora de forros de bolso no interior do Estado. “Ela é uma empresa que vende muito às pequenas confecções. As grandes fábricas cortam os forros nas próprias linhas de produção. O forro de bolso, na escala de produção, sempre foi uma coisa secundária, vendido por pequenos vendedores. Essa empresa chegou forte com esse segmento, e sem dúvida dominou o mercado dessas pequenas vendas”, disse um empresário do setor têxtil de Caruaru, cidade-referência do polo de confecções pernambucano.
Outro fator que impulsionou as vendas da empresa foi o preço cobrado pelo produto. Segundo empresários ouvidos, o preço do algodão aumentou 170% nos últimos meses, o que gerou uma procura maior pelo produto mais em conta oferecido pela Império do Forro de Bolso.
“O preço do tecido ficou muito caro, e as fábricas de tecido próprio para forro não conseguiram acompanhar essa alta do algodão. A Império do Forro de Bolso passou a vender com preços muito atraentes. Isso levou muitos empresários a deixarem de optar pela compra a ele”, assegurou outra empresária ouvida pela reportagem, afirmando que acredita que a empresa seja responsável pelo fornecimento de produtos para Angola, onde empresários do setor têxtil utilizam mão-de-obra mais barata para produzirem alguns tipos de roupa.
Potencial
Procurada pelo UOL Notícias na semana passada, a Receita Federal disse que não pode conceder informações de faturamento de empresas por conta do sigilo fiscal previsto na lei brasileira.
Apesar da ausência de dados oficiais da empresa, o potencial de mercado pode ser percebido pela quantidade de material importado. Segundo a Receita Federal, este ano já foram importados oito contêineres de “tecido de algodão danificado” dos EUA --cada um com 23 toneladas de produtos. Os dois últimos que chegaram este mês foram vistoriados e estavam repletos de lixo hospitalar.
Além dos oito contêineres, a Anvisa (Agência Nacional Vigilância Sanitária) informou que outros 14 contêineres estão para chegar esta semana, vindos também dos EUA. Somadas as cargas, a empresa teria importado 506 toneladas de lixo e restos hospitalares para vender como tecido para forro de bolso. Se vende-se cada quilo por R$ 8,50, como oferece em seis galpões, por exemplo, a empresa poderia faturar R$ 4,3 milhões.
Importações começaram “há tempo”
Segundo as primeiras análises, a importação dos de “tecidos de algodão com defeito” teria começado ainda em 2009, quando o proprietário da “N A Intimidade Ltda-ME”, Altamir, deixou a sociedade de outra empresa, a Forrozão Retalhos, para fundar a nova empresa.
Os funcionários da empresa confirmaram a fiscais sanitários que a importação dos restos hospitalares ocorre há vários meses. O presidente da Apevisa (Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária), Jaime Brito de Azevedo, afirmou que os empregados relataram que encontravam vários tipos de material hospitalar misturados a lençóis, que eram recortados para se transformarem em forros de bolsos.
“Um dos funcionários me disse que questionou sobre a procedência do material e o proprietário afirmou que não era uma sujeira perigosa. Mas apenas ele usava luvas e máscaras para se proteger e os demais não tinham o mínimo de cuidado no manuseio”, relatou Azevedo.
Polo têxtil
O polo têxtil de Pernambuco é considerado o maior produtor de roupas em jeans do país. Segundo o estudo “Caracterização Econômica do Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano”, feito pela Fade (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco), são produzidas 57,8 milhões de peças por mês nas três cidades do polo: Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe. O faturamento mensal do setor, estimado em 2009, era de R$ 144 milhões.
A reportagem tentou contato com o dono da Império do Forro de Bolso, mas ele não atendeu as ligações feitas para seu celular.
UOL