17 de jun. de 2013

A CIDADE DE PICUÍ É CITADA EM MATÉRIA DO FANTÁSTICO

Aposentados tentam quitar dívidas e são vítimas de golpes de quadrilha.

Alvo da quadrilha são aposentados e servidores públicos que fizeram empréstimos consignados. Após golpe, eles só acumulam mais dívidas.

 Um golpe vem sendo aplicado principalmente contra aposentados. É assim que começa essa história.

Na entrada da maior agência do INSS em Porto Alegre, uma mulher distribui cartões de uma suposta empresa que faz uma oferta tentadora: anular as dívidas dos aposentados com os bancos para que eles possam pegar novos empréstimos.

“Eles têm bastante ali oferecendo os cartõezinhos para fazer empréstimo, daí eu peguei”, diz uma aposentada.

Para investigar o esquema, o repórter do Fantástico Giovani Grizotti se fez passar por filho de uma pensionista que não consegue um novo empréstimo.

“A gente consegue um advogado que faz”, disse a mulher que distribuía os cartões.

O repórter é levado a um escritório do outro lado da rua. O mesmo caminho feito por muitos aposentados endividados.

“Só embarca nessa situação quem está precisando de dinheiro”, conta outro aposentado.

No escritório, o repórter descobre qual é a regra básica do golpe: deixar tudo na mão de um advogado.

“Não vão chamar ela.  A audiência, ela não vai fazer parte da audiência, porque ela está passando uma procuração pro advogado. O advogado vai fazer tudo isso sozinho”, diz uma funcionária do escritório.

“A proposta era ótima porque tu esquecia as dívidas antigas e pagava a partir daquele momento uma dívida nova, dentro dos limites legais ou possíveis de serem pagos”, diz uma aposentada.

Mas a manobra é ilegal, e o aposentado acabaria mais endividado ainda. Veja como funciona o golpe.

O alvo da quadrilha são aposentados e servidores públicos que fizeram empréstimos bancários consignados, ou seja: pagos em parcelas descontadas no contracheque.

Quando essas parcelas atingem 30% do salário ou do benefício, eles não podem pedir novos empréstimos.

Para pegar mais dinheiro, acabam vítimas dos advogados que garantem cancelar a dívida.

Para isso, o advogado entra com uma medida liminar na Justiça questionando o contrato assinado com o banco.

Se a liminar é aceita, o desconto no contracheque é interrompido e a margem de 30% é recuperada.

A pessoa pode, então, fazer novos empréstimos. É aí que o advogado recebe pelo serviço e desaparece. Abandona o processo. Vai procurar outra vítima.

Com o processo judicial abandonado, cai a medida liminar e o antigo empréstimo volta a ser cobrado. Mas o pensionista já comprometeu o desconto em folha com o segundo empréstimo. O pagamento da primeira dívida acaba sendo cobrado na Justiça.

Encontramos um homem que foi vítima da quadrilha que estava com a margem de 30% comprometida e precisou de novo empréstimo. Conseguiu. Mas o primeiro empréstimo voltou a ser cobrado, e ele tem agora duas dívidas.

Aposentado: “Está sendo pago”.

Fantástico: Mas sobrando pouco dinheiro no contracheque?

Aposentado: “Sobrando nada! Sobrando quase nada”.

Na hora de fechar negócio, a vítima é iludida:

“Não corre risco. Até porque é assim: entrou com processo; ganhou, o juiz deferiu. Fez o empréstimo, pagou o advogado, são 30% já do advogado. O processo continua interno. O advogado está trabalhando em cima. Caso venha a dar algum problema, o advogado está ali”, diz a funcionária do escritório.

A Associação Brasileira de Bancos afirma que 90% das ações judiciais de anulação de dívidas são abandonadas pelos advogados.

“Todos são prejudicados na verdade. A pessoa que participa da situação, ela aumenta seu endividamento. Na verdade, aquele dinheiro fácil a primeira vista vai ficar muito caro mais tarde. O sistema financeiro é prejudicado, porque ele tem uma gama enorme de prejuízos”, explica o presidente da comissão jurídica da associação brasileira dos bancos Álvaro Loureiro.

Quem sai ganhando são os advogados e intermediários. Chegam a cobrar metade do valor de cada novo empréstimo que eles conseguem para os clientes.

Fantástico: Qual foi o valor deste empréstimo?

Aposentada: “Eram R$ 28 mil. Sendo R$ 14 mil para mim e o resto para eles, para o grupo que faz o empréstimo”.

Fantástico: A senhora não achou muito?

Aposentada: “Mas eu estava precisando muito e não tinha outra maneira de fazer. E não desconfiei de nada”.

A mulher que o Fantástico entrevistou tem apenas 20 % da visão. Mora em Porto Alegre. Tinha assinado uma procuração sem saber que uma liminar em nome dela, e com endereço falso, seria pedida em Esteio, outro município gaúcho.

Fantástico: A senhora não apresentou nenhuma ação judicial no Fórum de Esteio?

Aposentada: “Não. Nem sei onde é o Fórum de Esteio”.

A juíza de Esteio chegou a acatar a liminar, mas voltou atrás. Estranhou mais um abandono de ação. E outro fator também chamou a atenção dela.

“O número de ações iguais, ou muito semelhantes, mas praticamente iguais, que tinha o mesmo pedido que era a pluralidade de contratos que a parte afirmava não tê-los contratado. E a consequente desistência da ação após a concessão da liminar”, explica a juíza Jocelaine Teixeira.

O mesmo acontecia em Canoas, na grande Porto Alegre. Várias liminares com texto e argumentos iguais: os aposentados não teriam pedido os empréstimos.

“O advogado entra com várias situações. Ele entra com um, não dá. Tipo, a primeira coisa é que não fez o empréstimo. Se o banco provar que fez o empréstimo. Tem assinatura, tem contrato, tem proposta. Entra contra juro abusivo. Então ele vai tentando”, diz a funcionária do escritório.

A mulher indica para a equipe do Fantástico o escritório de um advogado. Ele é autor de liminares pedidas em Canoas. Gravamos uma conversa dele com uma cliente.

“Vocês não vêm aqui: ‘Rodrigo, preciso revisar meu empréstimo’. Não. Eu preciso tirar um empréstimo novo. Não é isso que vocês querem?” disse o advogado Rodrigo Oyarzabal para uma cliente.

Quando anunciamos a reportagem, o advogado negou que tente influenciar o cliente e disse que segue apenas o que é informado a ele.

“Todos os processos que nós temos referentes à anulação, ou cancelamento de descontos e empréstimos são em cima das alegações que nós temos”, se defendeu Rodrigo Oyarzabal.

“Na verdade, é essa liminar que a senhora quer. A senhora quer a liminar para liberar e conseguir pegar um novo empréstimo na mão agora”, disse Rodrigo na gravação oculta.

Segundo a Associação Brasileira de Bancos, pelo menos 52 mil ações são suspeitas, concentradas em 10 estados brasileiros. No Ceará, foi a entidade que denunciou a indústria de liminares.

“Em um só caso, um só dia, foram deferidas mais de 30 liminares num juizado de Fortaleza beneficiando servidores estaduais do Mato Grosso. Então isso por si só já atrairia uma desconfiança por parte da magistrada”, analisa Djalma Silva, advogado especialista em direito bancário.

Nos pedidos, um advogado informa que os servidores de Mato Grosso moram no mesmo bairro deste juizado, em Fortaleza. São endereços falsos.

A juíza que deferiu as liminares não foi encontrada pela reportagem.

Em Picuí, a 250 quilômetros de João Pessoa, na Paraíba, duas mil liminares são investigadas.

Uma mulher disse que foi procurada por um advogado.

“A margem ficaria livre, faria um novo empréstimo para, com a metade desse novo empréstimo, pagar o advogado”, disse a mulher.

O pedido foi aceito e, logo depois, a ação foi abandonada.

“São indícios de que haveria esse favorecimento do magistrado para um grupo de advogados em relação a empréstimo consignado”, disse o corregedor de Justiça – PB, Márcio da Cunha Ramos.

A Corregedoria de Justiça do estado pediu o afastamento do juiz que acatou as liminares. Ele diz que teve a assinatura falsificada.

“Eu percebi que surgiram algumas liminares que não eram minhas e eram falsificadas”, alegou o juiz Mário Costa Araújo.
 
Em Brasília, o Conselho Nacional de Justiça informa que juízes são investigados por suspeita de participação no esquema.

“Por isso que oficiamos a todos os tribunais de Justiça para que prestem as informações necessárias à Corregedoria Nacional de Justiça que vai acompanhar passo a passo todas as investigações e agirá com muito rigor”, explica o corregedor nacional de Justiça Francisco Falcão.

“É claro o estelionato”, diz o delegado Hilton Rodrigues.

A pena para este crime é de cinco anos.

“Eu diria o seguinte. Se a senhora tem dúvida, se o senhor tem dúvida, não faça o empréstimo. Procurem uma pessoa da sua família, ou amigo, para orientação”, explica o delegado.

O Fantástico indagou as declarações da funcionária do escritório.

Fantástico: Você falou na gravação que é alegado que a pessoa foi vítima de uma fraude quando ela não foi, só para liberar a margem na Justiça. Nós gravamos você dizendo isso.

Funcionária: “Ah, tu gravou? A mim? Então tá. Então me prova”.

Fantástico: Você nega?

Funcionária: “Nego. Nego”.

“Tipo, a primeira coisa é que não fez o empréstimo. Se o banco provar que fez o empréstimo, Tem assinatura, tem contrato, tem proposta. Entra contra juro abusivo. Então ele vai tentando”, disse a funcionária do escritório nas gravações.

G1