Em esforço concentrado para avaliar propostas, deputados garantiram que o clamor das ruas fosse atendido
Brasília. Pressionada pelas manifestações que tomam as ruas do País, a Câmara dos Deputados rejeitou, ontem, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 que retirava poderes de investigação do Ministério Público. Numa votação que entrou pela madrugada, os deputados garantiram, ainda, a aprovação da destinação dos recursos dos royalties do petróleo à educação pública, com prioridade para o ensino básico e a saúde.
Ao final da votação, deputados e ocupantes da galeria do plenário cantaram o Hino Nacional. Atualmente, promotores e procuradores de Justiça também fazem investigações próprias, que não são regulamentadas FOTO: AGÊNCIA CÂMARA
Nos últimos dias, a PEC 37 passou a ser uma das principais reivindicações dos grupos populares. Foram 430 votos contrários à medida contra 9 favoráveis e 2 abstenções.
O projeto previa que a condução de inquéritos criminais seria exclusiva das polícias, enquanto caberia aos Ministérios Públicos federal e estaduais apenas apresentar ações na Justiça ou arquivar as investigações.
Os delegados de Polícia e os deputados favoráveis à PEC 37 argumentavam que é preciso dividir as funções para coibir abusos, enquanto os membros do Ministério Público e a maioria dos parlamentares consideraram que o órgão pode fazer suas próprias investigações.
O impasse gerou uma disputa entre as categorias e chegou a ameaçar o andamento de investigações. Com isso, em abril, a Câmara criou um grupo de trabalho com representantes de policiais, do Ministério Público, do governo e da Casa para trabalhar um texto alternativo. Não houve consenso. O MP não aceitou apurar de forma extraordinária, só quando tivesse risco para as investigações policiais.
Sem entendimento, o comando da Casa chegou a anunciar que a votação seria adiada, mas com a mobilização social decidiu engavetar o texto.
Aos gritos de "rejeita, rejeita", centenas de procuradores e promotores acompanharam a votação nas galerias do plenário. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), fez um apelo pela rejeição da proposta porque "o povo brasileiro quer cada vez mais combate à corrupção" e na defesa da ética. "É um ato de unanimidade derrotar essa proposta", afirmou.
O líder do PSOL, Ivan Valente (SP), fez um dos discursos mais inflamados e lembrou a pressão popular. "Foi o clamor das ruas que trouxe a PEC e isso que vai derrubar. É isso que tem que ser valorizado. Não é a vontade dos deputados. A pauta do Congresso não tem que ser pautada pelas empreiteiras, pelos bancos, pelos interesses".
Discutir regras
O PT recomendou a derrubada do texto, mas disse que vai discutir regras para a investigação. Autor da PEC, o deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) afirmou que o debate em torno do texto foi deturpado e que foi rotulada "indevidamente de PEC da Impunidade". "Não tem nada de impunidade. Tem garantia do Estados democrático de direito".
Ao final da votação, deputados e ocupantes da galeria do plenário cantaram o hino nacional. Atualmente, promotores e procuradores de Justiça também fazem investigações próprias, principalmente por meio dos chamados Procedimentos de Investigação Criminal (PICs). Ocorre que esse tipo de investigação não é regulamentada por lei, apenas por regras próprias nos Estados ou regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público.
Para tratar dessa questão, a Câmara deve colocar em votação um projeto que estabeleça normas para as investigações criminais, mas preservando a atuação do Ministério Público.
Como o projeto foi escrito com o apoio da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), PT e PSDB apresentaram textos semelhantes e começaram a disputar a iniciativa. O PT, no entanto, disse que vai propor essa discussão no segundo semestre. A ideia é distencionar o debate e evitar a pressão popular.
Educação e Saúde
No início da madrugada de ontem, a Câmara dos Deputados estabeleceu que 75% das receitas do petróleo serão destinadas para a educação. O projeto original, enviado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso em maio, previa 100% do montante para o setor.
Pela alteração realizada pelos deputados, os outros 25% desses recursos irão agora para a saúde. A norma terá efeito para União, Estados e municípios.
As regras valem para os recursos dos royalties e da participação especial referentes aos contratos firmados a partir de 3 de dezembro do ano passado, sob os regimes de concessão e de partilha de produção de petróleo. O texto segue para análise do Senado.
Relator costurou projeto
Brasília. Durante a votação do projeto de lei sobre royalties, os deputados ainda fizeram outra alteração no trecho que determina que 50% dos rendimentos do fundo social do pré-sal, uma espécie de poupança dos recursos da exploração do petróleo, também devem ser direcionados para o setor. O relatório aprovado no início da madrugada estabelece que metade de todos os recursos do fundo serão aplicados em educação e não apenas os rendimentos.
Foi estabelecido ainda um gatilho para o uso desses recursos. A totalidade dessa parte do fundo será usado até o País conseguir alcançar a meta estabelecida no Plano Nacional de Educação para o setor, que é de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor em cinco anos e 10% até o final da década. O PNE ainda está em discussão no Senado. Atualmente, esse percentual é de cerca de 5%.
Criado em 2010, o objetivo do fundo é financiar "programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento", segundo lei que trata do assunto. Segundo o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), não há compromisso do Planalto com a medida. O governo avalia que essa regra pode provocar um aumento inflacionário e pode até mesmo afetar a indústria nacional.
O relator da matéria, deputado André Figueiredo (PDT-SP), considerou a proposta "tímida" e chegou a sugerir em seu substitutivo as mudanças que foram confirmadas pelos líderes partidários. O texto foi costurado nas últimas horas no plenário.
Segundo Figueiredo, com as mudanças aprovadas, os investimentos em educação e saúde devem alcançar na próxima década R$ 280 bilhões.
Renan anuncia agenda positiva
Brasília. Em busca de soluções que respondam às demandas apresentadas nas manifestações populares dos últimos 12 dias, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), apresentou ao plenário da Casa propostas para diversas áreas. As sugestões foram apresentadas à presidenta Dilma Rousseff, em uma reunião ontem no fim da tarde.
Na saúde, Renan propôs que seja aprovada a destinação de 10% do Produto Interno Bruto para o setor. Em 2011 a presidente Dilma vetou FOTO: AGÊNCIA SENADO
Os projetos beneficiam áreas que têm maior número de queixas da população. Na saúde, Renan propôs que seja aprovada a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor. Em 2011, na votação da chamada Emenda 29, os congressistas chegaram a aprovar a medida, mas as mudanças foram vetadas pela presidenta Dilma Rousseff. Agora, Renan quer resgatar a ideia colocando em votação o Projeto de Lei 89/2007.
Ainda atendendo às demandas na área da saúde, o presidente do Senado propôs que a carreira de médico do serviço público seja transformada em carreira de Estado e que os egressos de universidades públicas, formados em cursos da área de saúde, prestem serviços civis obrigatórios no Sistema Único de Saúde.
Para a educação, as propostas incluem a votação, em regime de urgência, do projeto do Plano Nacional de Educação e a aprovação dos royalties do petróleo para o setor, garantindo aplicação de 10% do PIB na educação.
O senador apresentou projeto para que parte dos recursos sejam utilizados para custear o passe livre estudantil no transporte coletivo. "Nada mais natural que os recursos banquem o passe livre aos estudantes brasileiros regularmente matriculados e com frequência comprovada nas escolas", disse.
Para os demais cidadãos, Renan quer que sejam aprovadas propostas que desonerem os impostos do transporte coletivo, de modo a baixar as tarifas do transporte urbano. No que se refere à moralização do setor público, as propostas incluem a sugestão da própria presidenta Dilma de transformar a corrupção em crime hediondo e a aprovação de emenda constitucional para estender as regras da Lei da Ficha Limpa para todos os servidores públicos.
"Outro projeto que pretendemos apreciar em regime de urgência é o que pune juízes e membros do Ministério Público condenados em crimes. Hoje, estranhamente, eles são blindados com aposentadorias", disse o presidente do Senado. Renan Calheiros também defendeu a aprovação de uma reforma política para impor mais rigor ao processo eleitoral.
Redução de tarifas
A redução de tarifas de transporte público por meio de desoneração tributária federal foi aprovada ontem por unanimidade e em caráter terminativo pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Os parlamentares incluíram emendas ao Projeto de Lei (PL) 310/2009 que prevê essa possibilidade, mas a apreciação desses pontos adicionais ficou para a próxima terça-feira, dia 2, depois de um acordo, para não inviabilizar a aprovação do texto base do projeto.
De acordo com o PL, fica instituído o Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano e Metropolitano de Passageiros (Reitup) com isenção de tributos, que deve diminuir o custo. A desoneração não é obrigatória e valerá apenas para os estados que aderirem.
Aécio apresenta suas propostas
Brasília. O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), voltou a criticar a sugestão da presidenta Dilma Rousseff de convocar um plebiscito para que a população decida se quer uma Assembleia Nacional Constituinte que faça a reforma política. O senador discursou no plenário do Senado, ontem, logo após o presidente da Casa, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), defender a proposta da presidenta e considerá-la constitucional.
O presidente do PSDB apresentou uma agenda para atender às reivindicações das manifestações FOTO: AGÊNCIA SENADO
Aécio citou artigo do vice-presidente da República, Michel Temer, que diz que a convocação de uma Constituinte para tratar da reforma política seria "a desmoralização absoluta da atual representação".
O presidente do PSDB também apresentou uma agenda com propostas para atender às reivindicações das manifestações dos últimos dias em todo o país. Dividida em três eixos, o conjunto de propostas traz sugestões para aumentar a transparência e combater a corrupção, fazer um novo pacto federativo para melhorar a situação dos estados e municípios e implementar medidas para melhorar a ética e a democracia no país.
Entre as propostas para aumentar a transparência, Aécio Neves pede a divulgação dos gastos presidenciais com as viagens internacionais e dos cartões corporativos da Presidência da República, resguardando os últimos 12 meses.
Ele também sugere uma auditoria nas obras da Copa do Mundo e "a informação dos critérios, valores e custos dos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, em especial os empréstimos a empresas brasileiras para investimentos no exterior nos últimos dez anos".
Para melhorar a gestão pública e promover o que chamou de "Federação solidária", o senador propõe a redução pela metade do número de ministérios e a diminuição dos mais de 22 mil cargos comissionados.
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