4 de jan. de 2011

Penitenciária de Guarabira é modelo no trabalho de recuperação de detentos

Quando os portões foram abertos, o que se via pela frente nada tinha a ver com um presídio comum, a não ser pela estrutura física do local. No final do pátio, a vista dava diretamente para Wanderley Antônio da Silva, conhecido como o barbeiro dos apenados da Penitenciária Regional João Bosco Carneiro, instalado no município de Guarabira, Brejo paraibano. Ele cumpria mais uma jornada de trabalho dentro do presídio, enquanto cortava o cabelo de um dos colegas. A cada três dias de trabalho, o resultado é menos um dia atrás das grades. O modelo prisional do lugar pode ser considerado padrão, não apenas pelo exemplo do cabeleireiro Derly (como é chamado lá dentro), mas pela série de projetos que contribuem efetivamente para a ressocialização dos detentos. Escola, oficinas e até cinema fazem parte do cotidiano dos apenados da unidade prisional. Uma das estatísticas que colocam o presídio de Guarabira entre os melhores do país é a quantidade de estudantes cumprindo pena em regime fechado. Enquanto que a média nacional de apenados em sala de aula gira em torno de oito pessoas, a penitenciária modelo da região do Brejo paraibano tem 86 presidiários matriculados em quatro turmas do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e do Brasil Alfabetizado.

“O melhor caminho para recuperar o apenado é investindo na sua educação. Passamos meses estudando para ver qual seria a melhor forma de fazer essa inserção. Percebemos que muitos não sabiam ler. Esse era o grande entrave”, conta o diretor Emilson José de Sousa, que está à frente da unidade há oito meses e já implantou mais de dez programas de ressocialização.

Além da oportunidade de estudarem, os presos confeccionam artesanatos, criam peças de decoração, fazem caixinhas de fogo de artifício, costuram bolas esportivas, assistem a filmes. São diversas atividades que tomam praticamente todo o tempo que antes estava ocioso e só abriu brecha para pensamentos em novos delitos. Há até aqueles que saem do presídio, em determinados horários, para tomar conta da Rádio Alternativa Esperança, um projeto de extensão da vara das Execuções Penais de Guarabira que funciona no prédio do fórum da cidade. A programação é acompanhada de dentro do presídio, e integra músicas, notícias gerais e informações sobre o mundo judiciário. Eles ficam antenados, como uma tentativa de mergulhar no mundo de fora da prisão.

Assim que se chega, observa-se um cenário diferente da maior parte das unidades prisionais da Paraíba. Por volta das 10h, quando a equipe de reportagem chegou à penitenciária, quase todos os presos estavam no banho de sol. O horário em que eles ficam fora das celas vai das 7h até as 17h, ao contrário dos outros presídios (que geralmente resumem a, no máximo, duas horas). Grande parte do tempo, os detentos ficam ocupados com afazeres.

Um deles é Wanderley, citado no início da reportagem. Os instrumentos de trabalho do apenado são um pente, uma tesoura e um barbeador: peças que poderiam ser transformadas em perigosas armas, em qualquer prisão do mundo. No presídio João Bosco Carneiro, ele anda livremente com o kit para atender a clientela. Todos têm o visual impecável, com cabelos bem cortados, barbas feitas, um tratamento completo.

Além de receber o benefício da remissão da pena por atuar como o barbeiro do grupo, Wanderley recebe gratificação por seus serviços. Uns pagam R$ 2,00, outros dão um pacote de bolacha ou um agrado qualquer. Cigarros também servem como forma de pagamento. Antes de parar no presídio, o apenado já cortava cabelo dos conhecidos que moravam em Solânea. Foi justamente da sua cidade natal que ele foi transferido, há cinco anos e oito meses, para o presídio de Guarabira. “O tempo passa que a gente nem vê. Quando a cadeia tem projeto, não tem tempo de pensar em besteira. Meu sonho é montar meu salão quando eu sair daqui e ter uma nova vida”, conta.
Ao se aproximar daqueles homens, é possível enxergar semblantes com ares menos revoltados. Realidade muito distante das penitenciárias de segurança máxima, assim como é classificado o João Bosco Carneiro. A sensação é que se está diante de pessoas comuns. Mas ali estão presos desde ladrão de galinhas até traficantes e homicidas – detentos de alta periculosidade. De fato, não existe qualquer sinal de medo ou ameaça de uma rebelião iminente. No último pente fino realizado no local foi encontrado apenas um celular. Nada de objeto cortante ou construção de túneis.

Há oito meses, quando a direção do presídio foi modificada, começaram as mudanças nas instalações e na maneira de tratamento dos presos. “Quando chegamos aqui não existiam projetos. Mudamos o formato com várias iniciativas e observamos uma melhoria no comportamento dos presos. Acredito que assim o sonho da ressocialização pode ser concretizado”, enfatiza o diretor Emilson.

Para o juiz da 1ª Vara da Comarca de Guarabira, Bruno Azevedo, as atividades desenvolvidas no presídio João Bosco Carneiro apontam como uma luz no final do túnel para os apenados. “Eles percebem que alguém se importa com eles. Que não são mais invisíveis. Não adianta só prender. Essas pessoas um dia vão sair. E a ideia é que elas saiam melhores do entraram. Não podemos ignorá-las ou incorrer na prática da omissão”, salienta o jurista, informando ainda que o país detém a terceira maior população carcerária do mundo.

De acordo com o secretário Carlos Mangueira da Secretaria de Administração Penitenciária (Secap), os projetos de ressocialização reduzem os índices de reincidência dos crimes. Ele citou o programa ‘Pintando a Liberdade’ (para produção de bolas e redes esportivas), firmado em parceria com o Ministério dos Esportes, do governo federal, e implantado em algumas penitenciárias do Estado. “O trabalho, além de remunerado, permite a remissão da pena (a cada três dias de trabalho, um dia a menos de pena)”, afirmou o secretário.

Jacqueline Santos
Do Jornal da Paraíba