20 de out. de 2011

Sizenando Monteiro: Tropeiro, Político e Diplomata


Texto e fotos: 
 Clodoaldo Melo




Na Fazenda Cupira no município de Barra de Santa Rosa, filho de Joaquim Monteiro e Maria Monteiro, nasceu Sizenando Monteiro da Silva numa família de doze filhos, sendo: oito homens e quatro mulheres. Seu nome é de origem teutônica (alemã) e que dizer encantamento. Era chamado pelos amigos e familiares de Nane Monteiro. Nascido no dia 16 de julho de 1914. Era uma família de agricultores, mas todos gostavam de comprar e vender.


CONVERSADOR NATO


É um homem de conversa fácil e macia. Sabe dar um conselho como ninguém. Quando conversa tem uns “cacoetes” que além dos argumentos, prende ainda mais o expectador. Quando fala sobe os calcanhares, sobe e desce os ombros; quando fala gravemente, bota as mãos para traz. Tem o seu linguajar próprio e faz parada no que vai dizer encarando cada expectador do momento. Quando fala faz pausa. Quando chega diz: “quero saber como estar esta rua, pois a minha eu já sei!” Quando vai sair se despede dos vários amigos dizendo: “meus amigos, quem for ficando fique me defendendo da tesourinha!” e move os dedos, indicador e anular (maior de todos), como se fosse uma tesoura e sai rindo. Também fala por parábolas. Costumo dizer que todo aquele que sair de casa com a intenção de matar alguém e passar em Seu Nane e, contar o que pretende fazer, certamente, voltará de lá e não matará ninguém!


TROPEIRO COMERCIANTE

E foi trabalhando, comprando e vendendo o começo de tudo para Nane Monteiro. Cada trocado que ganhava num negócio era guardado a sete chaves e de lá só saía para um negócio onde se podia ganhar mais. Perder nunca! Gastar na farra nunca! – esses eram os seus lemas. E foi assim que conseguiu comprar uns burros e botar na estrada, ou melhor, nos caminhos. Sua tropa era composta de seis e fazia duas viagens por mês de Brejo de Areia a Parelha no rio Grande do Norte. Comprava rapadura e farinha nos engenhos brejeiros e as vendia no Seridó.

RASTROS DE ALMAS E COURO DE LOBISOMEM
Saia com as cargas dos engenhos às onze da noite e botava a carga abaixo no Sítio Mocó de Algodão de Jandaíra (entre Remígio e Barra de Santa Rosa). Alimentava os animais. Comiam, ele e o ajudante, e novamente partia, mas de dia, à noite só a saída do engenho. Chega no novo pouso no Sítio Novo, da família Tereza, município de Pedra Lavrada. Novo descanso e alimentação para os animais. Do Sítio Novo partia para Parelhas durante o dia, mas só chegava lá para descarregar a mercadoria na porta de seus fregueses no Seridó, à noite. Mas, Seu Nane, o senhor é da família de tetéu que não dormia? – perguntei. Ele rir, olha para os lados como para se certificar de que só estar eu ele e arremata: “Menino, andava de noite porque eu só andava no mole (sem pagar imposto). No Brasil se andar certinho, quebra!” Durante uma parte de sua vida varou parte do Brejo, do Curimataú e do Seridó nas mais altas horas da noite e nunca viu rastros de almas e nem couro de lobisomem.

COMPROU OUTRA TROPA DE BURROS

Por onde passava só deixava amigos e no Seridó tinham muitos. Agostinho de Gregório, lá de Parelhas, o vendeu uma tropa de burros arreados para que ele lhe pagasse 50 mil réis por viagem entre Areia - PB e Parelhas – RN. “Mas, Agostinho, eu não posso fazer um negócio desses.” – argumentou Seu Nane. “Seu Nane, o negócio é seu.” – contra-argumentou Agostinho. “Negócio feito, fechado, e aí Clodoaldo, a cabeça esquentou, ferveu a mil. Seu Nane dormia pouco e comia menos ainda. Era alta a prestação e para pagar com o lucro de farinha e rapadura!” – me conta ele.

DOIS CONSELHOS QUE MUDARAM SUA VIDA


O amigo e cliente, Libânio Bodegueiro, de Parelhas, soube que sua cabeça ia estourar por conta da compra da tropa o encontrou e disse: “Seu Nane, traga cachaça e fumo do Brejo que são mercadorias boas e que se vende muito.” Ao passar por Remígio, encontrou um senhor negro numa burra grande e bem arreada (arreios novos) que retirando sua burra do caminho para sua tropa passar, fez a seguinte observação: “Tropa bonita, zelada e de bons arreios. Sertanejo, se dever algum dinheiro, leve cachaça e fumo que logo você pagará o que deve.” – e partiu. O amigo Libânio e aquele Negro lhes dizendo a mesma coisa deixaram Seu Nane matutando, com uma mosca atrás da orelha. No engenho carregou dois animais com cachaça e fumo e tocou para Parelhas. O fumo e a cachaça o surpreenderam. Vendeu tudo logo e na próxima viagem aumentou mais duas cargas até ficar vendendo, exclusivamente, esses dois produtos. Seu comércio deu um pulo. Ao fazer contas com Seu Agostinho, este já lhe devia. A essa altura tinha dois empregados com ele tangendo burros e fretou quatro burros que engrossaram sua tropa.

A COMPRA DE UM QUEIJO E A MULHER DE SUA VIDA


Um dia à tardinha, selou o seu burro e saiu do pouso dos Tereza e foi comprar um queijo de coalho na Fazenda Lagedo Branco, pertinho do pouso, todos no município de Pedra Lavrada, pertencente à viúva de Gregório Chaves, Lilice Colaço (foto). De posse do queijo dirigiu-se à montaria quando a irmã da viúva, Licionéia, acompanhou-o e disse: “Minha irmã falou que quem casar com aquele rapaz (o rapaz era ele), casa muito bem.” Seu Nane era quase noivo em Pedra Lavrada da filha de Manoel Gomes. Acabou o namoro e começou o romance com D. Lilice. Muitos amigos bateram em cima: “Nane, você tá doido? Casar com uma viúva com quatro filhos?” – perguntavam com ar de censura. “Entrei em parafuso – diz Seu Nane – e no caminho entre Pedra Lavrada e Parelhas, implorei a Deus que me guiasse.” Na volta acabou o “quase noivado” na cidade de Pedra. Em seguida, noivou e casou com D. Lilice Colaço mãe dos quatro filhos.

OS ENTEADOS, O TIO E OS ESTUDOS

Eram quatro os enteados: Sálvio, 16, era especial; Flávio, 12; Saulo, 10 e Gregório, com 4 anos. “Onde nasci e me criei não se falavam em aulas e nem em estudos. Comia-se ruim e pouco – frisa Seu Nane -, mas meus enteados vão estudar. Decidi.” Como se vê, Seu Nane não era um homem produto do meio. Estava muito além de seu mundo e de seu tempo.

Dr. Saldanha, juiz da Comarca de Picuí mandou chamar Lindolfo Chaves, tios dos meninos. “Você quer ser o tutor dos seus sobrinhos, Seu Lindolfo?“– indagou o Juiz. ”Quanto ganha, doutor?” – perguntou Lindolfo ao Magistrado. “Nada.” - foi a resposta da Autoridade Judicial. “Deixe os meninos com Seu Nane mesmo, Doutor, eles estarão em boas mãos.” O juiz deixou.

Flávio já estava no seminário em João Pessoa. Mandou Saulo para o Colégio Agrícola Vidal de Negreiros, de Bananeiras - PB. Deixou D. Lilice em Pedra Lavrada com Sálvio e Gregorinho, como o chamava o mais novo, pois a casa da Fazenda não era rebocada e não tinha banheiro, quase nenhum conforto.

O SONHO COM SAULO

Um dia sonhou com Saulo muito triste. Encasquetou aquilo. Logo botou a sela num burro que tinha e amanheceu o dia em Barra de Santa Rosa. Fretou um carro e foi bater em Bananeiras. Pediu para ver o menino. Lá vinha Flávio triste, descalço e as mãos cheias de calos; fardado com uma farda grande que sobrava pano para tudo que era lado e dava até para um par de gatos brigar dentro dela sem arranhar o usuário, cabelos assanhados. Colocou a mão na cabeça do menino e disse: “Meu filho, me diga a verdade, você é feliz aqui?“ Saulo respondeu: “Não, Seu Nane (era e é assim que todos eles lhe chamam), nossas roupas e calçados são tirados da gente e aqui só se veste esta farda. Os estudantes mais antigos nos maltratam muito e os serviços mais pesados e penosos são para os mais novos.” Seu Nane não pensou duas vezes: “Meu filho, você vai comigo agora.” Faz aquela pausa e diz: “E, aí Clodoaldo, eu vi naquela criança a cara mais feliz do mundo! Viajamos e em Barra levei-o ao barbeiro e mandei caprichar num corte de cabelo decente e Saulo ficou outra pessoa. E, aí Clodoaldo, eu me senti o melhor pai do mundo! Coloquei-o na garupa do burro e tocamos para a Fazenda Lajedo Branco.

A SOCIEDADE EM PARELHAS

A venda da cachaça e fumo lhe dava dinheiro. Abriu um enchimento dela em Parelhas. Era seu sócio nesse empreendimento Calisto Porcina, filho de Chico Porcina, de Canoa de Dentro, vizinha da Fazenda. Trouxe Saulo do Colégio de Bananeiras e o colocou para estudar na casa do sócio. Calisto bebia e farrava e era rapariqueiro. A mulher só deixava Saulo entrar em casa trazendo Calisto bêbado lá do cabaré. “Quando eu soube disso, botei Calisto no canto da cerca: ou você me compra minha parte ou eu lhe compro a sua.” – Narra Seu Nane. Comprou a parte do sócio. “Desfizemos a sociedade, comprei uma casa em Parelhas e Lilice foi criar e educar Saulo e Gregorinho.” – conta Seu Nane. Saulo virou sacristão do Cônego Amâncio, pároco de Parelhas, e Flávio, viajou para concluir seus estudos em Roma na Itália.

AS SECAS CASTIGANDO


Não eram só esses contratempos do dia a dia a catruzar a vida de Nane Monteiro. Isso era café pequeno. Pior eram as secas. As secas batem de todos os lados, castigam, maltratam, reduz e leva o homem ao desespero. O Comércio cai, o gado perde peso e deixa de produzir leite, as terras não produzem e as despesas do chefe de família e proprietário, aumentam de forma extraordinária. “Basta um ano seco para levar de 8 a 10 anos de lucros dos bons invernos.” – fala Seu Nane. Dava água ao gado no olho d’água de Pedro Paulo, Cubatí, 6 km, dia sim, dia não. E foi numa dessa situação que num dia de feira em Cubatí, Seu Nane é chamado para conversar com dois tios de seus enteados: Lindolfo e Gabriel Chaves. “Seu Nane, - Lindolfo iniciou a conversa – como estais levando a vida com tantas secas e mais com esses meninos em colégios. Nane, deixa de ser besta, vais levar esses meninos ao Dr. Saldanha, ele que quiser que os criem ou os mandem para Pindobal (casa de menores em risco e de recuperação de menores infratores que existia na época em Mamanguape - PB). Seu Nane levantou-se, franziu o coro da testa, colocou as mãos para traz, subiu várias vezes nos calcanhares, subiu também os ombros e disparou sem rodeios: “Lindolfo e Gabriel, só me digam isso, essa asneira que vocês falaram agora, no dia em que eu for à casa de vocês pedir comida ou dinheiro para os seus sobrinhos. Eu tomei conta e vou dar conta dos meninos. Enquanto isso, não se metam!” Encarou-os novamente e repetiu o “não se metam!” Saiu deixando-os de boca aberta.

PEDRA LAVRADA EXIGE FESTA PARA O FILHO PADRE 

Saulo e Gregório terminam os estudos em Parelhas e vão para João Pessoa para continuar os estudos. Flávio é ordenado padre em Roma. O padre Apolônio Gaudêncio, vigário de Pedra Lavrada, e o Cônego Amâncio, da paróquia de Parelhas - RN exigem uma festa para o Padre Flávio em sua terra natal, Pedra Lavrada. Os tempos não eram dos melhores, mas Seu Nane, não foge a luta. Pede a Pe. Apolônio a lista das coisas necessárias a realização da festa. Cônego Amâncio veio de Parelhas com um coral formado de vinte e uma cantoras e mais convidados da família. As famílias lavradenses acolhem as cantoras para dormirem na cidade: em D. Rosa Albina, dormiram duas; D. Benildes Fernandes, alojou quatro; seu irmão Neco Monteiro, recebeu três, etc. Jantar e café da manhã para mais de cem pessoas. Heronildes Vasconcelos foi o orador da festa do seminarista lavradense ordenado pelo Papa em Roma.

No convite da festa de Pe. Flávio saiu grafado FLÁVIO COLAÇO e não Flávio Colaço Chaves. “Não foi intencional, foi a pressa.” – garante Seu Nane. Mas, isso foi motivo para Lindolfo Chaves se dirigir a Pe. Apolônio no maior bafafá: “Pe. Apolônio, esse menino tem nome completo, ele tem família. Cadê o CHAVES do nome dele? Vocês comeram?”, batia no peito e, em protesto, ia saindo da igreja. Encontrou Seu Nane que já ia entrando em busca do burburinho, e que perguntou-lhe firmemente e encarando-o: “Lindolfo, este menino que tornou-se padre é seu sobrinho agora depois que terminou os estudos? Antes ele não tinha tio. Você se lembra, Lindolfo, quando você me mandou entregá-lo ao Dr. Saldanha, juiz de Picuí? “ Lindolfo calou-se e ficou mais desconfiado do que cachorro quando quebra a panela que lambe. A festa continuou.

Festa terminada, povo disperso e convidados de volta no caminho de casa, Seu Nane foi procurado por Seu Antônio Menino e João de Nemézio, perguntaram-lhe: “Seu Nane, como é que se faz uma festa desta num tempo tão ruim? Alguém lhe ajudou?” “Ninguém absolutamente.” – respondeu Seu Nane. Prontamente os dois homens enfiaram as mãos nos bolsos e cada um lhe deu quinhentos mil réis e disseram mais: “Aceite, Seu Nane, pois esta festa era para pedra Lavrada fazer.”

DOS BURROS AO CAMINHÃO

Em 1953 comprou a Chico Ribeiro, proprietário da Fazenda São Domingos, Cubati – PB, um caminhão. Comprou em vinte e quatro prestações de quarenta contos de réis. “Clodoaldo, foi aí que Seu Nane encheu o rabo, ganhei dinheiro de se juntar com um rodo!” – me diz ele. Foi esse caminhão que num fatídico dia de sábado, bateu próximo à Fazenda São Domingos, no caminhão de José Buriti e, Joaquim de Melo, Cumarus, acidentou-se, carregando sequelas pelo resto de sua vida. Os chouferes (motoristas na época) eram Sabino e Nego Bita, ambos sem habilitação e até bem pouco tempo atrás ajudantes de caminhão e recém promovidos motoristas.

UMA QUESTÃO E O JUIZ

Vizinhos seus se desentenderam e terminaram na frente do juiz da Comarca, Dr. Saldanha. Um entendimento, um acordo o Juiz não conseguiu. Viu todas as possibilidades esgotadas e disse: “Já que as partes não conseguem entenderem-se, procurem Seu Nane Monteiro, vizinho de vocês, e peçam para ele resolver isso, do contrário, cada um de vocês contrate advogados para começar a questão.” – finalizou o Juiz. De volta procuraram-no. Seu Nane entrou no caso e na primeira reunião foi logo dizendo: “Não tem acordo ruim e nem questão boa. E lembrem-se: conselho é para ser dado e ser tomado.” Resolveu a pendenga e foi com os desafetos homologar o acordo na presença do Dr. Saldanha.

JOAQUIM DE MELO, CHICO DE CÍCERA E A MOÇA GRÁVIDA

Joaquim de Melo tinha um grande amigo: Chico de Cícera. Chico era de Cubati, mas criado lá em Manoel de Melo pai de Joaquim. Joaquim casou-se e Chico passou a morar com ele. Eram compadres de fogueira e depois compadres de crisma. Chico engravidou a Secretária da casa e filha de um compadre de Seu Joaquim e D. Neném Melo. De pronto Joaquim rompeu com o amigo e o expulsou de casa. O casamento só não foi feito porque a moça não quis casar. Expulsão feita, entraram em depressão os dois amigos. Seu Nane soube do acontecido e foi na casa do amigo Joaquim, e falou: “Joaquim, perguntar como estão as coisas não pergunto, já sei como estão, pois conversei com Chico. Onde essa moça dormia?” “Naquele quarto ali.” – respondeu Joaquim apontando para uma porta. Seu Nane continuou: “Joaquim, estou vendo que o quarto tem porta. Esta porta tem tranca (tramela ou ferrolho)?” “Tem sim, Seu Nane – afirmou Joaquim. “Joaquim, essa tranca é por dentro ou por fora?” – investiga Seu Nane. “Claro, Seu Nane, que é por dentro.” – retrucou Joaquim. “A tranca foi quebrada ou forçada por fora, Joaquim?” – inquire Seu Nane. “Não, Seu Nane, de maneira nenhuma.” – explica Joaquim. “Ora, Joaquim, então foi a moça que abriu, ela queria! Joaquim, vai buscar teu compadre e amigo que estar tão triste em Cubati que nem se sabe se escapa e, nem você também, levando em conta seu estado...” Seu Joaquim de Melo aceitou o conselho e foi buscar Chico de Cícera que continuou a trabalhar e a morar na sua casa.

O AÇUDE


Por décadas o açude da Lagedo Branco foi o maior açude particular de Pedra Lavrada e seus municípios vizinhos. Era como um oásis no deserto. Matava a sede da vizinha e de seus animais. Teve clientes ilustres dando água a seu rebanho lá na Fazenda, como: Joaquim de Melo (Cumarus), Sebastião Cassiano (Papafina), Chico Porcina (Canoa de Dentro), Chico Zacarias (Malícia), Manoel Melo (Malícia), Antônio Chico (Baixa Verde), Pergentino Severiano (Lagoa dos Campinhos), etc. Todos pescavam no açude desde que pedissem. Hoje este açude estar em grande parte assoreado (aterrado). Nunca recebeu um benefício público como uma limpeza ou o reforço da parede. Fez a casco de jumento. O radialista Clóvis de Melo, da Rádio Caturité de Campina Grande, chegou a fazer uma campanha pelo rádio para melhorar aquele reservatório que atendia tão bem grande parte da população e dos animais sedentos. Não foi ouvido.

O BANCO DE FINANCIAMENTO


Quem já ouviu falar de um banco que financiava ao mesmo tempo sementes e comida? Seu Nane tinha um. Era para atender pequenos e médios proprietários. Era dar uma boa chuva e o pátio da Fazenda Lagedo Branco se enchia de gente com sacos nas mãos. Houve um dia em Apolônio, seu trabalhador, chegou de manhã e disse: “Seu Nane, tem cinqüenta e quatro pessoas aí fora.” Era gente do Serrote, de Canoa de Dentro, da Malícia, do Pai Manoel, do Alto dos Umbuzeiros, de Cisplatina. Ele saiu fora e perguntou: “O que os trazem aqui?” Responderam-lhe: “A precisão, Seu Nane! E não temos outra porta para bater.” Seu Nane subiu nos calcanhares, várias vezes, ergueu os ombros e, várias vezes também, franziu a testa, encarou um a um, por fim falou: “Daqui ninguém sairá com os sacos vazios não!” E despachou seu povo que saiam com as mercadorias nos sacos de acordo com a precisão, ou seja, de acordo com o tamanho da roça ou da família. Tinha sementes para plantar de feijão e milho, farinha e rapadura para emprestar como alimento. As pessoas levavam e quando colhiam lhe pagavam. Colhida a safra ele recolhia os grãos e os guardava em silos metálicos para serem emprestados novamente no ano seguinte.

Diz um ditado popular que quem empresta nem para si presta! Seu Nane Monteiro emprestava e emprestava para os mais pobres. Já ouvi alguém dizer que Seu Nane emprestava, mas obtinha certo lucro com isso. Ora, recolher, secar, ensilar, guardar, pesar as quantias a serem entregues as pessoas, tinha um custo e tinha risco de abortamento de safra pelas estiagens. Custo de tempo e mão-de-obra. Se não cobrasse muitas pessoas não pagavam e, no ano seguinte, não haveria nem sementes, nem a rapadura e a farinha que melhorava a vida de muitos. Comprava caminhões de rapaduras e chegou a fazer um grande investimento, para a região, montando uma casa de farinha moderna e bem organizada com água e lenha para fazer farinha dos vizinhos. Todo inverno espalhava quarenta, cinqüenta ou mais silos de cinquenta cuias (500 kg) de feijão e milho. Outros silos de farinha e caminhão de rapadura sabendo que podia perder tudo se o ano fosse dos piores. Mas, Seu Nane fazia isso!

SEU NANE E A FAMÍLIA MELO


Seu Nane Monteiro sempre foi grande amigos da família Melo. Era preciso andar muito ocupado para, ao menos, uma vez por semana, não aparecer em Cumarus no final da tarde em seu cavalo grande e bonito. Vendia sisal e algodão a Seu Joaquim e Severino Melo. Viajava no caminhão deles para Campina Grande com vaga na boléia (cabine) garantida. Em 1963 saiu vereador e foi eleito para o período 64/68 pelo MDB. Os Melo eram da ARENA.

A ELEIÇÃO DE 1968 E A VACA COLOMBITA

Em 1968 saiu candidato a vice-prefeito de Antônio Cordeiro Góes, o saudoso Tonheca. Aí todo mundo falava: “agora engrossou no pé feito marmita. Seu Nane não é mais candidato a vereador, é a vice contra a chapa de Heronides Vasconcelos e Severino Melo. A amizade de Seu Nane e os Melo agora se acaba!” Com a mesma freqüência Seu Nane visitava os Cumarus no seu cavalo de marcha. Entrava no povoado e o atravessava em marcha batida e ia dar a curva lá no antigo campo de futebol. Na volta, parava o cavalo e começava conversar com o mesmo: “Meia Branca, a campanha estar fervendo, pegando fogo. Será que posso descer aqui, no centro dos Cumarus?” Um dia João de Melo, respondeu em cima da bucha: “Descer pode, Seu Nane, só não pode é subir.” Isso foi motivo de gargalhadas. Era esse o nível da campanha entre os Melo e Seu Nane Monteiro.

Seu Nane era padrinho do ‘cabeça’ de chapa sua adversária, Heronides Vasconcelos. E, esta chapa entrou num clima de já ganhou e relaxou. Seu Nane me disse: “Clodoaldo, eu fui lá nos Cumarus e peguei Severino e Heronides e disse: vocês vão aos médicos, eu já fui! Essa eleição é o ‘angu’ que eu mexi e vai haver surpresa!” Foi em Pedra, dormiu na casa de Neco Monteiro (seu irmão) e pela manhã chegou João Cordeiro, Emiliano, Antônio de Lelé, Tonheca tudo desanimado, estavam de se matar de lenço. João Cordeiro, falou: “Vou à Campina dizer a Afonso Agra que a campanha estar perdida.” Seu Nane ficou de pé, subiu nos calcanhares e disparou: “Vai não. Vocês são frouxos e eu não gosto de lutar com soldados fracos não. Eu mexi este ‘angu’. Na urna da caatinga eu ganho a eleição. E vão todos trabalhar em vez de ficarem chorando....” E botou todos para se engalfinharem no corpo à corpo, na disputa pelo voto.

Eleição encerrada segue a apuração. A cada urna a diferença era entre cinco e dez votos para um ou para o outro. Manoel Júlio, que apoiava Heronides e Severino Melo, gritou: “Eu aposto Colombita a melhor vaca de leite do Curimataú.” Seu Nane cutucou Neco Monteiro, e disse: “Ganhe a vaca de Manoel Júlio, pois ainda falta abrir a urna da Caatinga.” Houve a aposta.

A urna da caatinga deu cinqüenta e quatro votos de maioria para a chapa de Tonheca e Seu Nane e, eles, foram eleitos por apenas quarenta e nove votos. Manoel Júlio perdeu a vaca Colombita. Seu Nane mexeu o ‘angu’ muito bem!

A CAMPANHA DE 1972 E A VACA COLOMBITA NOVAMENTE

Na campanha de 1972 deixou os companheiros de 1968. Votou em Manoel Júlio e Egídio Barreto. Por que saiu do MDB, seu Nane? - perguntei. “Tonheca e eu fomos convidados pelo maior governador que a Paraíba já teve: João Agripino. Firmamos compromissos para deixarmos o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e se filiar na Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido do governador. Na época virgia o bipartidarismo (dois partidos políticos no País, somente). Quando Tonheca saiu do Palácio disse que ia enrolar o Governador e não sairia do MDB. Vôte, que é isso, Tonheca? Eu sou homem de compromisso! Tonheca não saiu do MDB, eu saí. Manoel Júlio era o candidato de João Agripino e pelo meu compromisso com o Governador, eu teria que estar com ele e, depois, pelo que aquela chapa representava. Manoel Júlio dispensa comentários e seu Egídio era um homem calmo, educado e de grande conhecimento. Ganhamos a eleição.” Lá Neco Monteiro aposta a vaca Colombita que tinha ganho de Manoel Júlio com o próprio Manoel. Manoel Júlio ganhou a vaca de volta.

NOVAMENTE VICE EM 1976

Em 1976 foi candidato a vice-prefeito na chapa de Genival Melo (Geno Melo) pela Arena. Eram quatro candidatos dois pela ARENA (ARENA 1 e 2) e MDB (MDB 1 e 2). Eram as chapas formadas: Genival Melo e Seu Nane – ARENA 1 – 780 votos; ARENA 2 – Odon Cirilo e Etinho Vasconcelos – 600 votos. Soma total: 1.380. MDB 1 – Tinan Porto e Antônio de Lelé – 700 votos; MDB 2 – Neco Monteiro e José Cândido – 402 votos. Soma total do MDB: 1002 votos. O candidato mais votado era proclamado eleito. Isso foi um casuísmo criado pelos militares para conter o crescimento da oposição, no caso, o MDB. Genival Melo e Seu Nane foram diplomados, assumiram e governaram Pedra até 1980. Nessa campanha bateu de frente com seu irmão Neco, Monteiro e, às vezes, Neco era grosseiro com ele. Um dia Neco encontrou-o e perguntou: “Ou Nane, você só vota em cabra ruim?” Seu Nane rápido no gatilho, respondeu: “É, Neco, já votei até no seu cunhado...” Foi não foi, Neco, faz uma visita a Seu Nane que o deixa muito feliz.

QUEIXAS DE ALGUNS POLÍTICOS 

Tem queixa de algum político, Seu Nane? – perguntei. “Tive e tenho sim e de dois: tive do saudoso Tonheca e tenho de João de Melo. Quanto a Tonheca, ele me ignorou completamente. Não tive participação nenhuma no seu governo. Eu desabafei com Afonso Agra e ele me disse que eu tinha razão. E, o seu João de Melo não fez nunca por merecer meu voto. Cedi meu lugar na chapa de Tinan quando ele foi eleito e ele foi o vice. Eu me sacrifiquei fazendo isso, pois Tinan ganhava a eleição com vice ou sem vice. Eu tinha sido convidado por Tinan num almoço na casa de Antônio de Dodô para compor sua chapa, mas cedi a João de Melo. Depois precisei comprar dez sacos de feijão para reforçar o meu estoque de empréstimo ao povo e fui a ele. Ele disse que não tinha. No outro dia, numa quinta-feira, botou quarenta sacos de feijão em cima de uma camioneta de sua propriedade e foi vender em Barra de Santa Rosa.” Gosta mais de algum político, Seu Nane?– fiz essa pergunta. “Gosto de Tinan Porto – e diz por que – ele não come sozinho não... se lembra dos amigos...”

SACRIFÍCIO NÃO FOI EM VÃO

“Meu sacrifício não foi em vão no que diz respeito à educação de meus enteados. Todos vivem bem de Natal a João Pessoa. Formaram-se todos. Hoje, todos me ajudam de dinheiro a remédios. Já me levaram aos Estados Unidos e ao Canadá em viagem turística. Estou fazendo uma dieta rigorosa e tomando os remédios, muito certinho por dois motivos: primeiro, em respeito a mim mesmo e, segundo, em respeito a meus enteados que me tiram daqui para consultas, exames, me dão remédios, etc. Farei a minha parte, não os decepcionarei.” – diz seu Nane. Fui pegando nas três pilhas de remédios em cima da mesa e imediatamente ele me diz: “Opa, nem pegue, nem tire uma caixa dessas do lugar e nem mexa em nenhuma pilha. Estão na ordem. Esta pilha aqui são os comprimidos pela manhã; esta outra são os do almoço e esta, do jantar.” Levanta as pernas, mostra, aperta e diz: “Antes desse tratamento eram inchadas. Agora, não.”

Todos os enteados têm cursos superiores. O ex-padre Flávio Colaço Chaves é um dos fundadores e sócios e ex-reitor da UNIPE – Centro Universitário de João Pessoa, em João Pessoa – PB, atualmente com cinco mil estudantes em instalações modernas e ministrando cursos das áreas sociais e saúde.

TRABALHADORES POR MEIO SÉCULO

Heleno Vicente morou em suas terras muitos anos. Desentenderam-se. Heleno o colocou na Justiça do Trabalho. Não se falam. No entanto, Heleno diz que é homem bom para se trabalhar. “Um dia esquentei a cabeça com ele – fala Heleno - porque ele me mandou um recado malcriado sobre uma garrota doente no açude de Sossego. Quando medicamos a garrota ele entrou na camioneta. Cheguei à porta e disse que não queria mais receber recado daquela natureza lutando com ele, pois, o que fiz, foi mandar avisar que tinha um animal seu doente. E seu Nane bem calmo na direção do carro disse: ‘pois é Heleno, tem gente que num entende que a gente também esquenta a cabeça com tantos problemas...’ A maneira como ele me falou me desarmou. De outra feita, me deu carta branca para eu resolver uma questão sobre um colchete (passagem feita de arame e madeira fina que substitui porteira). Ele confia em quem trabalha com ele. É gente da melhor qualidade!”

Três moradores lutaram com ele mais de quarenta anos: Melquíades, Apolônio e Mariano. “Mariano era bruto demais, tinha uns coices – diz Seu Nane – e eu já sabendo disso, só pegava na perna que não dava coice, daí, termos trabalhado tanto tempo.” “Eu e Melquíades tínhamos um trato: enterrar um ao outro. Morreu morando comigo.” – prossegue Seu Nane. E assim se fez: Seu Melquíades morreu na sua propriedade e, sua senhora, a viúva, Seu Nane a trouxe para a casa da Fazenda, onde ela morreu sob seus cuidados e de Rosa, filha de Melquiades, que morava na casa grande. Eram D. Lilice (falecida em 12.04.1988) e a viúva de Melquíades doentes na mesma casa.

Apolônio, o maior rastejador lavradense, começou como vaqueiro, passou e ser meieiro (o que ele lucrava era dividido ao meio com Seu Nane) e, depois conseguiu comprar uma pequena propriedade vizinha a Lagedo Branco, mas continuou trabalhando como meieiro na Fazenda. Seu Nane tece os melhores adjetivos e elogios a Apolônio. Cada um desses três trabalhou com seu Nane mais de 50 anos.

Sizenando Monteiro é citado na página 109, do livro RASTROS NA AREIA – Solidão e Glória de José Américo, escrito pela ex-secretária Maria de Lourdes Lemos de Luna, que escreveu sobre a vida do ex-ministro de Getúlio Vargas, ex-governador da Paraíba, escritor e talvez o maior paraibano, José Américo de Almeida. Sizenando estar relacionado entre as cinco pessoas do Curimataú que o visitavam, assim diz o livro: “O Curimataú assinalava, de vez em quando sua presença nas pessoas de: Pedro Simões, de Cuité; José Diniz, de Barra de Santa Rosa; Eugênio Vasconcelos, de Picuí; Sizenando Monteiro, de Cubatí. Uma relação iniciada com Walfredo Leal e Elias Monteiro.” Errou só na citação Cubatí.

Seu Nane ia solto no bate papo, lhe perguntei de chofre: Seu Nane, depois que enviuvou tem namorado muito? Seu Nane juntou as duas mãos como quem ia fazer uma prece, levou-as ao rosto, riu e disse: “Meu filho, meu médico me proibiu dirigir a noite e namorar de dia...”

A família Monteiro tem a política no sangue. Seu Nane foi vereador por um mandato e vice-prefeito de Pedra Lavrada por duas vezes. Neco Monteiro, seu irmão, foi candidato a vice-prefeito uma vez em Pedra Lavrada e participante ativo de todas as campanhas. Elias Monteiro foi vice-prefeito e prefeito de Barra de Santa Rosa. Valdo Monteiro, filho de Elias, foi vereador em Barra, como também, seu irmão Galego Monteiro, foi candidato a vereador. Valdete Monteiro, sua sobrinha, é vereadora em Sossego e, segundo Valdete, Monteiro é forte mesmo é na cidade de Cruzeta no Rio Grande do Norte.


Publicado originalmente no www.pedralavrada.com

17 de abril de 2009