Um crime ao vivo: Agradecer a Deus, Néscio, adeus!
Por Aberto de Almeida
Escuto o apresentador exultante falando sobre o flagrante que o seu repórter conseguiu numa dessas madrugadas de fim de semana:um homem sendo assassinado diante da câmera de sua emissora televisiva! Legai, pensou, vamos ser notícia em todo overde-amarelo! Alegria de merda! Pobre alegria! Triste alegria, Tião de Deus!
O repórter, agora notícia, num misto de empolgação e felicidade de quem acabou de receber a notícia de que fora o único ganhador de uma Sena acumulada há semanas, achando-se um merecedor do Prêmio Pulitzer, espalhou ainda mais a merda no ventilador da nossa imprensa tupiniquim:
- Quero pedir desculpas aos telespectadores pelo que vou dizer agora: Agradeço(faltou de dizer “de coração”) ao bandido por não atirar em mim e na minha (sic) equipe!
Olha para a câmara, e paga a promessa:
“Obrigado a você! (“ você" éassassino, o personagem principal de sua inesquecível história - "nunca esquecerei", - disse)! Muito obrigado!”
Pausa. Agradecer ao bandido? Não, Tião de Deus, agradecer a Deus! Pois foi Ele, Tião de Deus, quem livrou o néscio e sua equipe desse sacana! Matar um, dois ou mil, como demonstrou, não teria nenhuma diferença! Desculpem. Mas a palavra não pode ser outra: umamerda!
Finalizando, veio com o mais óbvio dos óbvios ululantes que já ouvi nessa minha vida de tantos óbvios ululantes:
- Eunão gostaria que isso tivesse ocorrido (Eu gostaria? Tu gostarias, Tião deDeus? eles gostariam ?). Sou repórter policial, mas não apoio a violência! Sou contra! Se a violência acabasse, aceitaria "até ser" repórter esportivo!
Desculpem. Não consegui ficar no meu canto calado,no meu gostoso anonimato. Não consegui.
- A notícia vai “bombar” por todo verde-amarelo!
Disse ainda o apresentador super feliz com o sonho dos muitos repórteres que desfilam com as suas câmaras de olhos abertos pelo verde-amarelo. O nosso repórter está de parabéns!
O mais bacana de tudo, acrescentou após inúmeras repetições do “cobiçado flagrante”, é que o nosso câmera sequer tremeu nesse momento de extrema sorte: flagrar o marginal, o sacana, o sacripanta, o pulha, o croto e ex-croto atirando várias vezes no cidadão caído, totalmente indefeso,pedindo para que não lhe tirasse a vida!
Parei o café matinal e ato contínuo corri para mais próxima das privadas da minha casa. Tenho três. E se pudesse, Tião de Deus, com tantos casos assim acontecendo aqui e alhures, construiria mais. Arg! Não bastasse o almoço servido ao sabor de braços e pernas amputados em acidentes e trânsito, recebo essa pérola como se fosse a melhor de todas as pérolas do mundo!
Desculpas aí, Tião de Deus, mas é que doeu mais que a fictícia dor que o poeta disse um dia sentir ao ver a sua cidade somente fotografia na parede de sua memória.
Doeu, Tião, confesso que doeu! Está doendo!
Publicado no Blog do Tião Lucena