26 de jul. de 2011

A noite em que João Pessoa esteve em Princesa


PAULO MARIANO
No cume da serra da Cascavel que protege a cidade de Princesa do vento frio e cortante do leste, Caboclo Fogueteiro aguardava impaciente a passagem do Presidente João Pessoa que pela primeira vez visitava o reduto do famoso coronel José Pereira. 

Ao cair da tarde calorenta de 19 de fevereiro de 1930, o foguetão espocou. Era o aviso. A multidão agitou-se. As bandeiras encarnadas colocadas ao longo das ruas, contrastavam com as folhas verdes dos fixus-benjamins que arborizavam as artérias principais e davam um visual da cidade engalanada que se preparava para receber, pela terceira vez em sua história, um Presidente de Estado.

Uma pequena multidão foi convocada para aclamar o presidente e sua comitiva. Os 16 automóveis da cidade passaram o dia conduzindo o povo dos sítios próximos para a grande festa de recepção. Era mais uma demonstração da influência política do coronel.

Os sertanejos olhavam na direção da velha e secular igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, onde desembocava a entrada principal da cidade, na ânsia de ver a chegada triunfal do ilustre visitante. João Pessoa não vinha à Princesa inaugurar nenhuma obra, nem estava preocupado com o eterno problema da região – a seca – que vinha dizimando o homem do campo. Era uma visita política.

No calçadão da casa do coronel, a fina flor da sociedade princesense dava os últimos retoques no vestuário. O coronel José Pereira, ladeado pelos futuros ministros do Território Livre de Princesa, Senhor Rodrigues, major José Frazão e o tenente Antônio Cordeiro Florentino, conversavam. Na primeira fila, padre Francisco Lopes, vigário cooperador, representava padre Floro que era avesso à festa. Tenente Arruda, delegado de polícia e os seis soldados do destacamento local, permaneciam perfilados. Major José Frazão, prefeito da cidade, enquanto ajeitava a gravata borboleta, lamentava a ausência do Dr. Clímaco Xavier, Juiz de Direito da Comarca. Os 22 músicos da banda sob o comando da batuta do maestro Joaquim Leandro, davam uma rápida olhadela nas partituras musicais do dobrado que iriam executar.

Ronco Grosso, o cabra mais valente e destemido da guarda pessoal do coronel, espalhava seus homens em pontos estratégicos.

O povo impaciente escangotava o pescoço e arregalava os olhos para os três automóveis da comitiva, que paravam em frente à casa do coronel. O cadete, José de Campos Góes, saudou o visitante. De voz rouca, João Pessoa agradeceu a homenagem, concluindo: “Não estou aqui em visita de observação e sim de cortesia ao ilustre coronel José Pereira.” Alguém observou que o presidente era “um homem duro e não dava demonstração de riso pra ninguém.”

Durante o grande festim, Mestre Belinho, santeiro famoso, pintou a bico-de-pena, o perfil do visitante. As ruas especialmente iluminadas, retreta no patamar da velha igreja; fogos e balões riscavam a escuridão.
O povo nas ruas principais num vai e vem constante ignorava o cardápio do banquete que só os privilegiados tiveram acesso e que no final teve como único orador o Secretário de Interior e Justiça, José Américo de Almeida, que conhecendo com riqueza de detalhes o cunho político da visita e sabendo da amizade do coronel para com o chefe do Partido Liberal, preferiu, depois do agradecimento, falar sobre a personalidade do estadista Epitácio Pessoa.

E quando teve início o grande baile com a afinada “jazz band” da cidade, o coronel trancou-se numa pequena sala de reuniões com o presidente e conversaram horas seguidas. Os historiadores ainda hoje desconhecem grande parte do diálogo. Os amigos mais íntimos do coronel sabiam que estava em via de efetivação imediata um rompimento político e circulavam insistentes boatos na cidade que o presidente estava trancado como medida de segurança para evitar que fosse assassinado. Porém a conversa girou em torno de dois assuntos: a não inclusão na chapa que disputaria eleições naquele ano do senhor João Suassuna, para Deputado Federal, além do pedido para que José Pereira desarmasse seus homens, num plano a curto prazo que João Pessoa tinha em mente que era acabar com o coronelismo. Por falta de habilidade política, não chegaram a nenhum acordo. A composição da chapa era o assunto mais delicado, porém, o desarmamento da guarda pessoal do coronel – muito mais numerosa que o efetivo policial da cidade – alterou o tom da conversa quando o presidente repetiu: “é do meu programa acabar com o banditismo” e insinuou que o coronel “era protetor de cangaceiros”. José Pereira respondeu irritado: “mantenho homens armados para defender a cidade do bando de Lampião”. A partir desse encontro histórico, o coronel só acompanhou o presidente até o carro, no dia seguinte às sete horas da manhã, quando João Pessoa partiu de regresso.

Com o rompimento oficializado em 22 de fevereiro de 1930, José Pereira rebelou-se. Era o início da Revolta de Princesa que precipitou o fim do feudo do coronel José Pereira e transformou Princesa na cidade mais histórica da Paraíba.

Blog do Tião Lucena