Registros de 1937 mostram que comunidade messiânica foi massacrada. Pesquisadores, porém, não encontram ossadas
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Jornal do Brasil anunciou "Chacina no Caldeirão": segundo pesquisadores, massacre não aconteceu
Em 1937, os jornais brasileiros noticiaram que a comunidade religiosa do Caldeirão, liderada pelo beato José Lourenço, no município do Crato, Cariri cearense, fora massacrada pelo governo federal, com milhares de mortos arremessados em uma cova coletiva. Agora, 74 anos depois, a ONG cearense SOS Direitos Humanos quer encontrar, exumar, identificar, enterrar os restos mortais dessas pessoas e indenizar seus descendentes.
O problema é que pesquisadores da universidade local afirmam que o massacre em questão nunca existiu.
O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto foi uma comunidade religiosa e messiânica que existiu nas primeiras décadas do século passado num pé de serra, na Chapada do Araripe. Ela tinha um líder chamado beato José Lourenço e era vista pelo governo de Getúlio Vargas como uma célula de “comunismo primitivo”, que se recusava a obedecer ao governo. Registros históricos dão conta de que cerca de mil camponeses católicos dessa comunidade teriam sido assassinados em 11 de maio de 1937. O governo de Getúlio Vargas teria mandado aviões da Força Aérea Brasileira para bombardear o território do Caldeirão.
A pesquisa
Em 2008, a ONG SOS Direitos Humanos entrou com um pedido de indenização para os descendentes das pessoas que teriam morrido no Caldeirão. A ação foi arquivada. A ONG foi à Justiça de novo, pedindo novas buscas. O problema é que esses corpos nunca foram encontrados por pesquisadores e não há relato de nenhum remanescente sobre o suposto massacre. O Exército brasileiro nega que tenha dizimado a comunidade e um pesquisador da Universidade Regional do Cariri (Urca) afirma que não existe nenhuma prova concreta.
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O beato José Lourenço: "Ele passou pelos policiais pedindo licença. Ninguém fazia ideia de que o temido beato era apenas um velhinho cansado"
“Eu acho bastante esquisito esse pedido de indenização. Não se pode simplesmente acusar o Estado e as forças militares sem que haja um respaldo minimamente arqueológico. Nenhum dos meus entrevistados confirma essa versão”, afirma o professor do Departamento de Ciências Sociais da Urca, Domingos Sávio Cordeiro.
Segundo o pesquisador, o que há de comprovado nessa história é que, em 1936, a Polícia Militar do Ceará invadiu o Caldeirão, apreendeu os bens da comunidade, expulsou os moradores, mas sequer chegou a prender o líder beato José Lourenço. “Zé Lourenço passou pelos policiais pedindo licença. Ele era um ancião e não foi reconhecido. Ninguém fazia ideia de que o temido beato era apenas um velhinho já cansado”, conta Sávio Cordeiro.
Lourenço teria fugido para a Chapada do Araripe, uma parte dos moradores continuaram nos arredores, outra foi para o Rio Grande do Norte e alguns foram para a Bahia e se juntaram ao movimento "Pau de Colher", que existiu entre 1937 e 1938. “Lá, sim, essas pessoas que fugiram do Caldeirão foram mortas por tropas estaduais e federais, junto com centenas”, diz o pesquisador.
Segundo ele, no dia 11 de maio de 1937 o que houve foi um confronto de um grupo de beatos contra a Polícia Militar que resultou em oito mortes. Contudo, o presidente da SOS Direitos Humanos, Otoniel Ajala Dourado, compara o que houve no Caldeirão com a guerrilha do Araguaia (1972-74). Para ele, o desaparecimento dos corpos é mais um crime que foi cometido contra a comunidade.
IG