20 de ago. de 2011

TIÃO LUCENA: A fiel secretária de Zé Américo fala de sua vida

Entrevista com Lourdinha Luna


Zé Américo não escrevia, ditava seus livros para Lourdinha Luna datilografar. Foi uma das vozes mais fortes da Nação e morreu em paz, sem inimigos. Nessa entrevista da semana, Lourdinha Luna conta um pouco daquele que foi chamado de “O Solitário de Tambaú”. Vale conferir.

1 - Quem foi José Américo de Almeida?

Foi um homem público que pensou a Paraíba  com um amor infinito. Teve por norma cuidar dos menos afortunados e criou Faculdades de Ensino Superior e as abrigou numa Universidade. Coisa nenhuma o fazia mais feliz do que saber que pelo estudo, alguém de condição simples alcançou o estrelato. Destacava tanto os valores paraibanos que quando  adoeceu o filho Reynaldo veio, em avião particular, para nos levar ao Rio de Janeiro. A resposta categórica fora: "não vou; aonde encontrarei lá, médicos como Gilvandro Assis, Italo Kumamoto´e meus sobrinhos Augusto, Maurilio e Gilson Guedes, que cuidam de mim com tanto apreço. Ele estava certo. Sem ir os "medalhões" vieram para cá, mas para ouvir o 

que os nossos cientistas tinham a dizer-lhes, porque a opinião dos luminares não impressionou. Venceu a prata da  casa!... 


José Américo de Almeida
2 - Você passou muitos anos como secretária do ministro. Ele era uma espécie de arauto da nação. Quantos governadores ele indicou no tempo da revolução?

R - É inacreditável a informação de que seu estilo não era o direto, quando desejava beneficiar alguém. Valia-se, sempre, de um eufemismo: elogiava a atuação de alguém, no setor ou na profissão que ocupava ou no valor pessoal e literário. Sua Varanda, como disse o escritor Biu Ramos, foi muito frequentada. Às vezes era um presidente da República, às vezes um correligionário de 30". A escolha dos governadores estão explicitadas no documentário - NA VARANDA DO CABO RANCO - sobre as eleições indiretas na Paraíba. Vou me referir, apenas, a um caso para não deixar incompleta a resposta. Juarez Batista, ex-diretor de A UNIÃO, em seu governo, pretendia um cargo na Universidade. Ao mesmo tempo o pretendente fora eleito para a Academia Paraibana de Letras, e o padrinho já estava escolhido. Manifestou-me seu interesse de saudá-lo na APL. Fui ao seu primo Higino Brito e indaguei se ele teria constrangimento em ceder a vez a Ze Américo, desejoso de homenagear seu pupilo. Houve a festa e o "elogio" do empossado como se diz na ABL, coube ao ex-governador de 1951/56. O reitor que pensava em outro nome para o lugar, nomeou Juarez Batista, sem pedido por parte do patrono. 


3 - É verdade que o ministro ditava para você datilografar os seus romances e demais livros?

Mais uma vez tenho de aludir à maneira estranha ao usual, de ditar seus livros, conferências, discursos etc. Numa folha de papel escrevia uma palavra e a partir dela desenvolvia um período, um trecho ou uma página, deitado numa rede. E 
não parava até ser convidado para o almoço. No fim só corrigia minhas "barbaridades ortográficas" que ele sempre assumia como dele, porque foi, em toda vida, um cavalheiro, condição louvada por seus assessores quando governador  do Estado, ANTES QUE ME ESQUEÇA (livro de memória) foi ditado em 30 dias e é um poema da primeira à ultima página.


4 - É verdade, também, que no tempo dele, nada acontecia na Paraíba sem o seu aval?


Propriamente não era com seu aval, mas pelo que foi e, especialmente, pelo acendrado amor pela Paraíba era sempre ouvido. Nas vésperas de eleições diretas ou indiretas se punha diante de um crucifixo de ferro, confeccionado e presenteado a ele, por Jackson Ribeiro, contrito e de mãos postas pedia, numa prece comovida: "Senhor livra a Paraíba da humilhação de ser má governada." E foi ouvido em sua oração, porque a Paraiba deu exemplos, de governantes, trabalhadores, probos e de espirito público.

5 - Quais os políticos paraibanos que Zé Américo mais gostava?


De 1930 até a data de sua morte, dissentiu de dois ou três políticos. Porém a lista dos amigos era imensa. Por ocasião de sua morte os Comandos Militares do país fizeram álbuns com recortes sobre o acontecimento, e tivemos a oportunidade 
de conhecer lugares que jamais pensávamos que existisse, no Brasil. Após o seu governo identificou-se com Hernani Sátyro e Ivan Bichara, velhos companheiros de jornadas partidárias estaduais e federais e, como o Ministro, homens de letras. De João Agripino fora adversário. Como deputado federal infernizou seu governo, porém, Zeamérico não guardava rancor de sua atuação na Câmara Federal. Mais adiante se aproximaram e a afinidade fora recíproca. Notável é registrar o apreço entre ele e seus Auxiliares. Aqui como no Rio ou Brasília, onde estivesse, a identidade era uma relação de igualdade válida, um padrão real. 


6 - Ele detestava algum?

Detestar mesmo, creio que não, mas não recebia os algozes de Ivan Bichara. Essa campanha encurtou seus dias. Um elemento que ele, com seu prestigio, retirou do sofrimento em Fernando de Noronha, foi o mais agressivo, não apenas com o candidato a Senador, mas com pessoas unidas a ele pelos laços de parentesco, o que muito o contrariou.


7 - O que dizia Zé Américo de João Pessoa?

Sob sua ótica João Pessoa era uma autoridade intransferível. Não ouvia ninguém, o que levou Zeamérico a pedir demissão em pouco tempo à frente da Secretaria Geral. O presidente não aceitou e reviu suas posições, examinando e compreendendo o quanto seu Auxiliar era correto, destemido e necessário ao seu governo. Em sua função pôs em  perigo sua própria vida ao deslocar-se para Piancó e posicionar-se com as forças legalistas contra os insurretos de Princesa, uma força superior naquela guerra. Sua fidelidade ao Presidente morto revelou-se, por todo o tempo, e ao assumir o Ministério da Viação resgatou seus compromissos com fiéis companheiros, fazendo os açudes que prometera: Riacho dos Cavalos (João Agripino Maia), Ministro José Américo (Santa Luzia e familia Medeiros), Pilões, 
Senhor Alexandre, respectivamente. E foi mais além: pagou todos os Precatórios oriundos do infortúnio de 30, a exceção do que ainda tramitavam na Justiça, por desleixo dos próprios credores.


8 - Zé Américo levou alguma mágoa para o túmulo?

Suas mágoas eram momentâneas. Não as cultivava. Morreu em paz, lucido, consolando os que estavam inconsoláveis. Falou até o instante derradeiro quando pediu-me a mão e fez de meu nome sua última invocação.


9 - Como testemunha viva do cotidiano do ministro você viu e ouviu muitas coisas. Poderia contar alguns acontecidos nesta entrevista?

Realmente eu fui sua confidente nos 17 anos que passei a seu serviço. Como ele era extremamente reservado com sua intimidade eu o acompanhei, na maneira discreta de me comportar. Para ele não havia divertimento igual a conversar.
Tenho, em mente, vários acontecidos, mas vou relatar um extremamente doloroso para todos nós: a morte de Américo Filho e dos seus. Foi mais pungente que a de dona Alice, a perfeita companheira que Deus colocou em seu caminho, pois 
ao partir só deixou falta e imensas saudades. Mas no caso presente os que lhe faziam companhia , no fatídico passeio, com a morte de seus pais, legou à orfandade a três crianças. Por alguns dias José Américo tornou-se silencioso, 
acomodado numa rede, a estrutura preferida para viver sua dor. Deixava o rosto ser banhado pelas lágrimas, que não podia conter e exclamava: "Eu estou sofrendo muito, mas minha dor é discreta". Ou "Alice foi mais feliz porque não viu essa tragédia..."


10 - E seu livro, sai quando? De que trata ele?

O editor Carlos Roberto de Oliveira pensa lançá-lo no dia 19 de outubro próximo, na Fundação Casa de José Américo, salvo algum imprevisto a data poderá ser mudada. É um documentário da vida real sobre as eleições indiretas na 
Paraiba.

Para saber mais: Zé Américo

Blog do Tião Lucena