Tecnologia: Distância torna grandes plataformas inviáveis, por isso elas devem ser substituídas no futuro
Na ficção, ganhou fama a existência de um continente que teria desaparecido no fundo do mar após um desastre natural. A lenda de Atlântida, a cidade perdida, foi amplamente retratada em livros, em desenhos e no cinema no século XX. No mundo real, em pleno século XXI, a Petrobrasprepara-se para criar verdadeiras cidades submersas, que vão marcar uma nova fase na exploração e produção de petróleo em grandes profundidades, na camada pré-sal. No leito marinho, a mais de 2 mil metros da superfície, poderão ser instalados os principais equipamentos que hoje funcionam nas plataformas, permitindo que elas se tornem menores, mais leves e, mais importante ainda, mais baratas. Todo o sistema terá um alto grau de automação, com parte da operação podendo ser controlada a distância.
As cidades submersas da Petrobras serão habitadas por máquinas, equipamentos gigantescos e robôs encarregados de vistoriar os sistemas de produção para extrair milhões de barris de petróleo. Parece ficção científica, mas se trata de uma das mais importantes vertentes de pesquisas realizadas pela Petrobras em parceria com universidades e empresas fornecedoras.
“O nosso alvo daqui a dez anos é não precisar de plataformas”, diz Carlos Tadeu Fraga, gerente-executivo do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). Se isso será possível, só o tempo dirá. Ele fala de um objetivo ambicioso que é o de colocar no fundo do mar, em um horizonte de dez anos, as plantas de processo, sistemas de compressão, de separação (de óleo, gás, água e areia) e até mesmo os módulos de geração de energia necessários para fazer tudo funcionar. Hoje os equipamentos estão instalados no deck de plataformas flutuantes de produção, armazenamento e transferência (as FPSOs), verdadeiras cidades em alto mar. Devido à distância da costa, esse modelo não deverá ser repetido no pré-sal da bacia de Santos.
“Em inovação, há um raciocínio segundo o qual o que muda a capacidade das pessoas de realizar algo novo está na pergunta que é feita. Ao apresentar uma ideia, há duas formas de reação: uma é dizer por quê? A outra é dizer: por que não? Nosso papel é o de dizer por que não. E por que não seria possível operar uma plataforma no pré-sal daqui a alguns anos, remotamente, desde uma base terrestre onde a pessoa estará vendo a operação em uma tela ou até mesmo imersa [virtualmente] nessa plataforma?”, observa Fraga.
Parte desse futuro começa a se materializar. No primeiro trimestre de 2011 deve ser instalado o separador submarino de água e óleo do campo de Marlim, na bacia de Campos, etapa intermediária na trajetória de instalação de mais equipamentos, incluindo a planta de processo de petróleo, no fundo do mar. Atualmente, o petróleo é extraído por meio de bombas até um equipamento instalado em cima da plataforma, onde é separado o óleo da água. Mas a plataforma é projetada para receber e processar petróleo e não água, que até agora era um problema. Com o separador submarino a água retirada junto com o petróleo será logo reinjetada no reservatório, o que evita esse “passeio” (sobe, processa e volta) e também aumenta a vida útil do campo. “Na medida que cresce a produção de água lá embaixo eu produzo menos óleo aqui em cima, e se eu conseguir separar lá no fundo essa água, tirar a maior parte dela lá embaixo e trouxer uma quantidade menor de água para cima, eu prolongo a vida produtiva do campo. E quando tiro água lá debaixo, a pressão que o reservatório tem que vencer para trazer mais óleo para a superfície é menor. Em Marlim vamos não só separar a água do óleo como vamos reinjetar a água no reservatório como mecanismo de indução de recuperação adicional, de nova energia no reservatório”, diz Fraga A nova forma de produzir petróleo em grandes profundidades será diferente. Bombas multifásicas poderiam mandar os fluidos misturados de óleo, gás e água diretamente para o continente via oleodutos. Ou então direcioná-los para uma plataforma encarregada do processamento e instalada em menores profundidades, o que a indústria chama de águas rasas.
O salto tecnológico está sendo impulsionado pelo pré-sal. Nesse ambiente, mais distante e hostil, é preciso reduzir custos logísticos para desenvolver a produção de reservatórios de petróleo localizados a 300 ou 400 km da costa e em lâmina d’água de mais de 2 mil metros de profundidade.
Um entusiasta de toda essa nova tecnologia é o diretor-financeiro da Petrobras, Almir Barbassa. Ele lembra que ela permitirá reduzir o custo do investimento da estatal e dos sócios quando a produção no pré-sal estiver em fase mais madura. Barbassa afirma que à medida que a Petrobras começar a produzir em todos os campos da área chamada de “polo de Tupi” não será possível copiar o modelo atual devido à grande quantidade de equipamentos e embarcações que serão necessários para levar pessoas, equipamentos, comida e combustíveis.
“Para operar isso tudo não se pode sair com um barquinho pequeno como o que hoje faz o suprimento da bacia de Campos, levando um pouquinho de diesel, ou água. Tem que ter um suprimento. Tem que ter uma base. E a empresa só tem a ganhar no futuro ao desenvolver novas formas de produzir naquela área”, destaca.
A distância das áreas no mar da bacia de Santos também faz com que a Petrobras, os fornecedores e as universidades busquem soluções que aumentem a segurança. Com mais equipamentos submersos será possível reduzir o número de pessoas a bordo das plataformas, o que passa pela tentativa de controlar os campos de forma remota. Hoje, dependendo do campo, trabalham embarcadas em uma plataforma entre 120 e 200 pessoas. Esse número tende a ser reduzido com o avanço da tecnologia, mas em águas profundas a Petrobras não pensa em ter plataformas desabitadas.
Segen Estefen, diretor de tecnologia e inovação da Coppe, o instituto de pós-graduação e pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que hoje as universidades, juntamente com Petrobras e as empresas fornecedoras da indústria de petróleo, estão concentradas em como passar grande parte dos equipamentos das plataformas para o fundo do mar. “Esse é um dos cenários da produção do pré-sal, utilizar sistemas totalmente submersos, o que implica ter equipamentos específicos para esse ambiente e garantia de confiabilidade para evitar muitas intervenções, o que é caro”, diz Estefen.
Ele afirma que toda vez que se faz uma coisa nova parte-se da tecnologia existente, ampliando-a. No início da produção de petróleo em mar, utilizaram-se plataformas fixas, que eram derivações das torres de transmissão de energia elétrica. A questão agora é como fazer a produção mais eficiente e menos custosa em uma grande província petrolífera. Isso passa por soluções mais abrangentes. Para alcançar esse objetivo, é preciso contar com equipamentos capazes de operar de forma autônoma, o que exige testes em laboratórios em condições equivalentes às encontradas nos campos marinhos.
O cenário futuro aponta para um sistema de produção em que as plataformas passariam a supervisionar diversos campos e fazer o controle da produção. Assim, a plataforma tradicional poderá passar por profunda transformação. Para Carlos Fraga, gerente-executivo do Cenpes, um caminho para levar mais equipamentos para o fundo do mar é compactá-los.
No pré-sal também tende-se a produzir com menos poços do que no passado. “O número de poços que serão usados no pré-sal para produzir um determinado volume de petróleo é muito menor do que há cinco ou vinte anos. Um poço hoje é capaz de escoar a produção de 40 mil barris de petróleo por dia. Essa era a produção de uma plataforma no início das atividades em Campos”, diz Fraga.
Fonte: Valor Econômico – 28/12/2010