Avaliações mostram que 90% não têm o conhecimento mínimo esperado para a fase; veja exemplos práticos
Calcular quanto um trabalhador deve receber em cada parcela do 13º salário pode parecer uma tarefa trivial após 11 ou, mais recentemente, 12 anos de estudo que levam uma pessoa até o fim do ensino médio. A maioria dos jovens que concluíram essa fase na última década, no entanto, não consegue chegar ao valor correto. O exemplo ajuda a entender uma estatística alarmante sobre o conhecimento dos alunos no terceiro ano do ensino médio. Segundo o Ministério da Educação, apenas 10% dos estudantes adquirem os conteúdos esperados.
A terceira reportagem da série especial do iG Educação sobre o ensino médio mostra como os jovens se formam com conhecimentos irrisórios. Nem todos os alunos dessa etapa escolar passam por avaliações do MEC – como ocorre no ensino fundamental – mas os resultados são suficientes para produzir estatísticas assustadoras.
A mais recente delas, do Ibope, mostra que 62% das pessoas com ensino médio não são plenamente alfabetizadas. A expectativa era que, aos 18 anos, e tendo frequentado a escola durante a infância e a adolescência, os jovens soubessem ler e entender textos longos, mas só 38% o fazem.
Para quem ainda está estudando, o governo aplica, desde 1999, uma prova por amostragem do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em todas as edições, o porcentual de alunos do 3º ano do ensino médio que chega à pontuação adequada nas provas de matemática variou entre 9,8% e 12,8%. No último exame, de 2009, foram 11%. “O que preocupa é que não saímos deste patamar, mesmo quando temos uma melhora no fundamental. Quando o jovem vai para o médio, estaciona”, comentou Mozart Neves Ramos, consultor do movimento Todos Pela Educação, em apresentação de números organizados pela ONG a partir da avaliação feita pelo governo.
Considerando apenas os conhecimentos de língua portuguesa, o resultado é menos pior, porém ainda chocante: 28,9% alcançaram a nota mínima no teste de 2009. Os números valem para todos os estudantes, incluída a rede privada. Considerado só o sistema público, o porcentual cai para 23,3% em português e 5,8% em matemática. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), a amostra apenas das particulares é pequena para concluir o porcentual de estudantes desta rede que aprende o necessário.
Exemplos em São Paulo, Paraná e Maranhão
O Ministério da Educação mantém entre suas publicações a escala do Saeb de língua portuguesa e de matemática com todas as capacidades que são esperadas dos estudantes ao final do ensino médio. Para ilustrar o que os números sobre a aprendizagem apontam, o iG selecionou um item em cada disciplina, buscou exemplos de situações em que eles sejam pedidos e levou um teste a jovens matriculados em escolas em São Paulo, no Paraná e no Maranhão.
Em matemática, o iG sugeriu um problema já usado pelo MEC e uma questão elaborada pelo professor e autor de livros didáticos Luiz Imenes. Ambos avaliam a capacidade de “resolver problemas que envolvam variação proporcional entre três grandezas (regra de três simples)”, o que só 7% conseguem, segundo a estatística do governo.
Em língua portuguesa, foi escolhida uma habilidade que apenas 6% têm: a de distinguir um trecho opinativo entre as informações de um texto. Novamente foi apresentada uma questão usada pelo governo e outra baseada em dois textos do iG Educação que tratam do mesmo fato, um informando e outro opinando.
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Em São Paulo, as perguntas foram apresentadas a estudantes da escola estadual José Monteiro Boanova, que obteve o melhor resultado entre as unidades públicas no último ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) na capital paulista, desconsiderando as escolas técnicas e unidade da Universidade de São Paulo (USP). Dos cinco alunos questionados, nenhum conseguiu responder corretamente qualquer uma das questões de matemática. A primeira parcela do 13º de um trabalhador que recebe R$ 1.200 e trabalhou oito meses de um ano, variou entre R$ 150 para um aluno e R$ 6.120 para outro. Já em português, houve dois acertos em cada pergunta.
Em São Luiz, três alunos do centro de ensino médio Manoel Beckman, no bairro Bequimão, zona de classe média da capital maranhense receberam as questões e não acertaram nada. Em uma das provas, uma aluna se confundiu e respondeu “sim” a uma questão que pedia um valor matemático. Nas questões de língua portuguesa, o resultado foi o mesmo. Um deles, aproveitou para mostrar como vai a gramática: “Os dois textos é opinativo”, escreveu.
Os melhores resultados, ainda que não sejam bons, vieram do Paraná. Sete alunos do colégio estadual Manuel Borges de Macedo, em Rio Branco do Sul, responderam as perguntas e, finalmente, alguém chegou às respostas corretas de matemática. “O problema do 13º salário é algo que dá para fazer de cabeça, mas a maioria dos alunos do ensino médio não consegue entender a relação entre os dados de um enunciado para saber qual conta pode ser feita”, diz o professor Imenes.
E as outras matérias?
Se os diagnósticos em matemática e língua portuguesa são ruins, a situação em relação a outras disciplinas sequer é conhecida. O Saeb segue a mesma escala aplicada ao ensino fundamental e só tem as duas matérias consideradas essenciais desde a alfabetização.
No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são cobrados conteúdos de ciências humanas (história, filosofia, sociologia e geografia) e ciências naturais (física, química e biologia). Mas só quem quer faz a prova de acesso a programas universitários, e a escola não recebe um diagnóstico sobre como seus estudantes se saíram por conteúdo.
A única avaliação de ciências feita no Brasil dá indícios de que o patamar é o mesmo verificado em português e matemática. No programa de avaliação internacional de estudantes (Pisa, na sigla em inglês), feito pela Organização para Cooperação de Países Desenvolvidos (OCDE), com estudantes de 15 anos – que deveriam estar no 1º ou 2º ano do ensino médio – os brasileiros aparecem em 53º lugar em ciências entre 65 países. É a mesma colocação obtida em leitura, e melhor do que a 57º posição em matemática.
Reflexo na universidade
Com o aumento do acesso à universidade, possibilitado pela expansão tanto do sistema público como de programas de bolsa e financiamento em instituições particulares, muitos destes estudantes chegam ao ensino superior. No total, 15% dos jovens de 18 a 29 anos estão na faculdade ou já a concluíram. Para alguns especialistas, o reflexo do ensino médio ruim inclui a queda da qualidade das universidades e das pesquisa que devem ser realizadas nelas – além de cidadãos mal formados para a vida, como mostrou a reportagem publicada na terça-feira.
Para Elizabeth Balbachevsky, livre docente do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora participante de grupos internacionais na área de educação para jovens, as universidades também devem colaborar. "No mundo todo, o aumento do acesso ao ensino superior levou para as faculdades um novo público. Elas também devem ajudar os alunos a fazer um ensino médio bom ou a completar suas habilidades paralelamente ao curso superior. É isso ou deixá-los prosseguir sem boa formação."
IG.