23 de abr. de 2011

A paixão de Jesus na vida dos pobres do Sertão

A semana santa é um tempo propício para que reflitamos, na condição de cristãos e cristãs, sobre a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, o Galileu, considerado subversivo, agitador político pelas as elites poderosas da época. Tratado como perigoso, mataram-no. Com essa reflexão, possamos tomar consciência, que a paixão desse nazareno continua na vida dos pobres, os preferidos de Deus, que a cada dia, clamam pungentemente por socorro.

A morte de Jesus, lá da Galiléia dos oprimidos, uma região extremamente pobre,miserável, excluída, a exemplo do nordeste brasileiro, foi tramada, arquitetada pelos detentores do poder político e religioso. Ora, os seus discursos inflamados, libertários (ver sermão da montanha e as acusações contra os escribas e fariseus MT, 23ss) em defesa dos marginalizados, incomodaram a elite arrogante, prepotente, assassina, poderosa: “esse homem anda agitando o povo, matemo-lo”. Mas, por que o assassinaram? Por que ele, de forma corajosa, enérgica, entrara na contramão do referido sistema de morte, que agredia a dignidade dos pobres da palestina.

Como sabemos, o povo da Palestina, de modo bem particular da região da Galiléia, uma região extremamente miserável, era tratado com desdém. Essa gente vivia de forma infra-humana. Jesus, na sua grandíssima sensibilidade humana e divina, não suportou essa situação humilhante contra os filhos de Deus. Tomando as dores dessa população, não se acovardou, não se omitiu, gritou em alto e bom som: “tenho pena deste povo, pois é como ovelha sem pastor (Pastor, neste caso, eram as autoridades políticas e religiosas omissas e covardes, que não estavam nem aí para as necessidades da população. É como aqui no Brasil, que há autoridades que tratam o povão com desdém). E mais: “Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância”. Por conta dessa sua posição histórica em defesa da vida dessa gente marginalizada, foi assassinado como um bandido da pior espécie.

A fé cristã libertadora leva-nos a afirmar, peremptoriamente, que Jesus continua morrendo, a toda hora, a todo instante, na vida de milhares de seres humanos. O grito de desespero do Filho amado de Deus, na cruz, ecoa na boca dos injustiçados, dos abandonados, dos violentados nos seus direitos inalienáveis, das crianças desamparadas, dos pacientes que morrem nas filas dos hospitais, dos idosos desrespeitados, dos trabalhadores que ganham salários de miséria, dos agricultores desesperados etc. Ignorar que o Crucificado de Deus continua gritando através dos deserdados da vida, é querer interpretar a Paixão do Senhor de forma alienante, espiritualista. É não querer, conscientemente, levar em estrita consideração o contexto histórico político, econômico e religioso da época.Em síntese, é querer ignorar a causa histórica da morte de Cristo.

Como padre neste sertão sofrido, massacrado, sou testemunha ocular da paixão e morte de Jesus na vida de tantos irmãos sertanejos. A via crucis do Senhor não terminou, está mais viva do que nunca. O grito pungente de Jesus na cruz, “meu Deus, meu Deus por que me abandonastes”, continua, quando ouço pessoas gritando por pão, por água, por assistência médico-hospitalar com dignidade, por emprego, por segurança, por dignidade, por casa para morar, por justiça etc.

Transcrevo, de forma literal, o que tenho ouvido e continuo ouvindo de inúmeros sertanejos no seu dia a dia. São gritos de desespero, de dor, de abandono, de morte. É Jesus morrendo nos irmãos sertanejos:

“Padre, minha vida é um inferno. Tanto sofrimento na minha seu padre. Não agüento mais”.

“Eita vida braba, essa nossa. A gente trabalha, mas não consegue nada na vida, só sofrimento”.

“A estrada da cidade não é asfaltada. Pense num sofrimento do diabo. A gente leva muitas horas para chegar ao destino. O pior é que ninguém faz nada para asfaltar a nossa estrada”.

“Eu me acordei quatro horas da madrugada prá pegar uma ficha para o dentista. Cheguei lá essa hora, e saí de lá onze horas. Isso é vida de cão”.

“No hospital de nossa cidade falta tudo.Falta médicos,falta medicamentos,falta cama,falta aparelho,falta gás prá fazer a comida, falta tudo.Eita hospital arretado”.

“Aqui, seu padre, quem não comer no prato do prefeito ou do vereador,vai prá o olho da rua,ou não consegue nada: consulta médica,transporte,feira. A pessoa é escanteada.Doido quem for contra o prefeito ou vereador”.

“Na eleição, o cabo eleitoral do prefeito me disse assim, seu padre: se você não votar no meu candidato, se prepare, o cancão vai piar. O pior, é que pia mesmo”.

“Ontem minha mulher foi pra o hospital doente, aí o médico disse que tem que fazer um exame. Danado, esse tal de exame custa mais de duzentos reais. Onde diabo vou arrumar dinheiro prá fazer isso”?

“Padre, mandei meus filhos para João Pessoa, visando estudar por lá.Só que a despesa é grande ,e eu estou sem saber o que fazer.Ganho pouco.Mas mesmo assim,meus filhos vão vencer.Estão comendo o pão que o diabo amassou,mas serão vitoriosos”.

“Na minha casa tá todo mundo desempregado. Só o dinheiro da bolsa família não dá”.

“Quando chega o final do mês, me dá uma dor de cabeça danada, só em lembrar como vou pagar à mercearia, à farmácia, a padaria etc.”.

“Padre, minha filha tem que fazer uma cirurgia. Coitada, essa cirurgia só vai ser daqui a cinco meses”. “Ah, meu Deus, minha filhinha vai morrer”.

“passei três horas para ser atendido pelo médico. Pense numa demora doida. Quase que não era atendido. Eita como gente pobre é humilhado”.

“Não agüento mais esta vida. Sofro demais. Na minha casa falta tudo. Nasci só para sofrer”.

“Na minha cidade não há segurança, padre, toda semana tem violência... Também só tem dois policiais”?

“O médico passou remédio para eu tomar, mas não tenho dinheiro para comprar o remédio”.

“sofro demais, seu padre. É tanta pobreza na minha vida. Eita vida do diabo”.

“padre, eu só queria que Deus me levasse, não agüento tanto sofrimento”.

“como posso ser feliz, se não tenho casa pra morar, nem um pedaço de terra pra trabalhar”.

“Meu Deus, minha mulher tá doente, e marcaram a consulta dela para o mês de julho. Ah, seu padre, ela vai morrer, não dá prá esperar”.

“A gente não pode mais armar uma rede no alpendre de nossa casa com medo dos bandidos. Eita que a violência tá demais”.

“Dois filhos meus, padre, foram trabalhar no corte de cana em São Paulo. Coitadinhos, pense num trabalho pesado, e ganho muito pouco”.

“Olha aqui, padre, no almoço de hoje, só vai ter feijão puro e um pouco de farinha”.

“Quando chega tempo de festa, padre, eu tenho vontade comprar uma roupa, calçados, perfume, mas, meu pai, coitado, diz assim: não posso comprar nada, porque o dinheiro não dá. Padre, eu tenho um desgosto danado”.

“Se eu pudesse, eu fazia um Curso Superior, mas não posso, não tenho como pagar uma faculdade particular, já tentei o Enem, mas não consigo”.

“Olha padre Djacy, lá na nossa região não tem um Curso Superior. A gente tem que se deslocar para uma cidade bem distante. Pense num sofrimento para estudar?”

“Eu sou professor, trabalho a semana toda para ganhar um salário de miséria”.

“Meu Deus ,a gente é tão explorado, trabalha tanto para ganhar pouco”.

“Minha nossa Senhora, duas crianças morreram por falta de assistência médica, que absurdo”.

“perdi minha filha, padre, porque ela não foi atendida com urgência no hospital”.

“Meu filho ta preso, já bateram tanto nele, padre”

“Neste Brasil, só quem vai pra cadeia é pobre. O pobre na cadeia é humilhado, tratado como bicho”.

“Padre, jogue água benta na minha casa para ver se desaparece doenças, coisas ruins. São tantas coisas ruins na minha casa. São meus filhos desempregados, são netos doentes, meu marido doente. A coisa tá feia prá nós”.

“Minha filha se casou, mas coitadinha, o marido perdeu o emprego. Pense num desespero”?

“Eita, tô devendo até a alma.O dinheiro que recebi só deu para pagar a feira.Tõ devendo na farmácia,na açougue...”

“Tive onze filhos. Sofri muito. A gente vivia da roça, nada tinha em casa. Quando chegava a hora do almoço, era um deus nos acuda. Ah, meu Deus, quanto sofrimento”!

“Meus filhos foram embora para são Paulo em busca de emprego. Faz anos. Nunca mais voltaram. A gente chora todo dia com saudade deles”.

“Aqui no sertão, padre, a vida é dura demais, pobre sofre demais”

“Em tempo de política, não falta político nas nossas casas. Eles andam aqui direto. Eles prometem tudo: emprego, remédio, bolsa de estudo e muita coisa. Depois que passa a eleição, esses diabos desaparecem e nem conhecem mais a gente”.

Uma jovem me falou: “aqui no sertão é tudo difícil, quem tem condições vive bem e quem não tem, vive mal”.

Disse um rapaz, “acho que vou embora pra são Paulo, aqui é muito difícil pra viver. Vou tentar arrumar emprego no sul. Se eu ficar aqui, vou ficar velho e não arrumo nada na vida”.

“A vida aqui e dura, não é mole não, padre. A gente vive vida de cão”. Ninguém “olha pra nós, só em tempo de eleição, a gente é olhado”.

“Olha, seu padre, a gente anda hora e meia para apanhar água num açude do Rio Grande do Norte. A gente sai quatro horas da madrugada. Quando o jumento é lerdo, a gente gasta mais de duas horas”.

“Padre, me dê uma ajuda, eu tenho cinco filhos. Meus filhos estão passando necessidade”.

“Olha, padre, o bolsa família não dá pra nada, só para pagar água e luz”.

“Tem gente na capital que fala assim, seu padre: esse povo pobre do sertão, agora vive bem, come bem, porque ganha o bolsa família. Agora, eu pergunto, seu padre, que diabo faz uma pobre mãe carregada de filhos com noventa reais? Será que esse povo, que diz isso, vive com esse dinheiro todo? Será, padre, que esse povo viveria no sertão, comendo do bom e do melhor, com esse dinheiro do bolsa família”?

“Eita vida de cão esta minha. É tanto sofrimento, tanto desespero. Não agüento mais esta minha vida sofrida. Queria que Deus me levasse”.

Assim, é a continuação do sofrimento de Jesus na pessoa dos pobres deste sertão paraibano.

Padre Djacy Brasileiro

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