Eles devem ser tratados de maneira igual? Um sente o mesmo que o outro? Esclareça as principais dúvidas sobre gêmeos
Os gêmeos Julian e Adrian Riester estudaram juntos e entraram juntos em ordem franciscana |
Muitas dúvidas rondam o universo dos filhos gêmeos e elas nem sempre são desvendadas. A recente morte dos gêmeos norte-americanos Julian e Adrian Riester no mesmo dia, por exemplo, demonstrou para muitos que as similaridades podem ir além da aparência física. “Um sente o que o outro sente?” ou “Eles são iguais em tudo?” são algumas perguntas que as mães de gêmeos escutam. Mas são mitos ou verdades?
Eles devem ser tratados como iguais
Mito. De acordo com a psicóloga clínica Maria Elizabeth Barreto de Pinho Tavares, os pais costumam agir como se os gêmeos, principalmente os idênticos, fossem uma pessoa só – colocando roupas iguais, por exemplo. Porém, esta atitude pode promover uma confusão muito grande para eles, inclusive de identidade. “Não se deve tratar um como réplica do outro, mas sim, cada um deles como único”, diz. É necessário, com isso, que os pais sempre procurem perceber as características individuais de cada um para que possam responder a elas.
Segundo a especialista, também autora do livro “Conversando sobre gêmeos” (edição independente), mesmo no caso de gêmeos univitelinos, na maioria das vezes eles costumam ter muitas diferenças de temperamento e comportamento. E os pais, se estiverem atentos, poderão perceber isso desde os primeiros meses dos filhos. Para a psicóloga e psicanalista de Uberaba Ilcea Borba Marquez, autora de uma dissertação de mestrado sobre gêmeos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os pais devem saber que a criação de gêmeos não inviabiliza a diferenciação entre eles, mas dificulta um pouco a vida em um mundo onde a busca por “ser único” é preferência.
Incentivar a construção da personalidade de cada um, portanto, é necessário. Para começar, Ilcea lembra que se referir ao filho como “gêmeo” ao invés do nome dele já não é uma boa ideia. E muito menos vesti-los com roupas iguais com frequência. A gerente de vendas Eli Pereira Borba, de 46 anos, soube disso desde que se tornou mãe de gêmeas, há 20 anos. “Quando soube que estava grávida de gêmeas fui orientada a proporcioná-las vidas independentes, coisa que eu já imaginava. Então não colocava roupas iguais e elas sempre estudaram em classes diferentes. Até o corte de cabelo era feito distintamente”, diz.
Não respeitar os gêmeos em suas individualidades, de acordo com Tavares, pode lhes proporcionar um incômodo que não é banal. “Possibilitar o desenvolvimento da identidade é o principal. Caso não aconteça, no futuro os gêmeos poderão ter dificuldades em terem vida própria ou fazerem escolhas pessoais e profissionais”, conta.
Muitas vezes nem os pais conseguem identificar os irmãos. A dica é colocar uma pulseirinha até ficar mais fácil saber quem é quem
Não há rivalidade entre eles
Mito. É natural que entre irmãos haja um determinado nível de rivalidade. Principalmente no sentido de haver uma disputa pela atenção dos pais, familiares ou amigos em comum. Entre gêmeos não é diferente. Além disso, cada um precisa encontrar um espaço só para si e ter uma réplica sua não ajuda muito. “Ao mesmo tempo em que uma mãe cuida de um gêmeo, enquanto o alimenta, por exemplo, é possível conseguir fazer-se presente para o outro através da fala e até de contatos físicos”, diz Maria Elizabeth.
Porém, de acordo com a psicóloga e terapeuta familiar Marina Vasconcellos, é possível que os gêmeos briguem até menos do que os irmãos de diferentes datas de aniversário. “Os gêmeos já nasceram dividindo o espaço, então nunca tiveram a experiência de serem filhos únicos”, diz a especialista.
No caso das filhas gêmeas de Eli, Débora e Lygia, sempre existiu competição entre elas. “Fico preocupada. Direta ou indiretamente, elas sempre competiram pela minha atenção, da irmã mais velha e dos amigos em comum”, conta. A concorrência entre elas, para Eli, acabou sendo um desgaste emocional. Uma das atitudes tomada pela mãe foi separar as festas de aniversário em dias diferentes a partir dos oito anos de idade das meninas. “Elas foram apresentando personalidades e gostos distintos. Uma queria convidar a escola inteira e a outra queria algo mais intimista”.
Eles costumam ser comparados um com o outro
Verdade. Mas assim como eles não devem ser olhados como uma só pessoa, comparações assíduas também não devem acontecer. De acordo com a pediatra Renata Dejtiar Waksman, do Departamento Infantil do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, realmente não é porque um tem uma habilidade específica que o outro deve ter também, por exemplo. Os gêmeos terão necessidades e vontades distintas, e isso há de ser preservado. Afinal, eles precisam ter identidades próprias e devem saber que um pode ser diferente do outro.
Evitar com que eles fiquem na mesma classe da escola pode ajudar para que comparações não sejam tão freqüentes. Segundo uma das filhas de Eli, Lygia, comparações acontecem o tempo inteiro. “Isso já acontece entre irmãos, mas por sermos gêmeas é muito mais comum”, diz. “Sua irmã não faria isso” é uma das frases que ela já ouviu inúmeras vezes, seja da família ou de amigos. Porém, com o tempo, ela conta que esse tipo de acontecimento começou a passar batido para ela e para Débora. “A gente passou a não levar tanto em consideração”, diz.
Um sente o que o outro sente e vice-versa
Não comprovado. Para a autora do blog “Vizinhos de Útero” Jemima Pompeu, de 42 anos, isso realmente acontece. Mesmo vivendo distante da irmã, Kesia, desde os 15 anos de idade – uma mora no Brasil e a outra nos Estados Unidos –, vira e mexe ela tem sonhos premonitórios e diz sentir quando alguma coisa acontece com Kesia. Ela conta que já sonhou que a irmã estava presa em um aeroporto e não conseguia sair. Dias depois descobriu que Kesia esteve no Equador a trabalho e, após ter sido assaltada – perdendo assim todos os documentos –, teve que ficar em um hotel até conseguir resolver o problema. “Ela passou por tudo aquilo e eu senti a angústia dela”, diz.
A psicóloga Maria Elizabeth diz não saber se a ciência, em algum momento, chegará realmente a ter clareza sobre isso. “Acredito que há muita história folclórica em cima disso. Não há comprovação científica alguma”, diz. Pensar que a história de Jemima é uma coincidência, portanto, é normal que aconteça. A pediatra Renata diz também, assim como as outras especialistas, de que não há nada comprovado, mas admite que os gêmeos, normalmente, têm uma “conexão muito forte”.
Para Maria Elizabeth, de fato os gêmeos possuem um entendimento sobre o outro um tanto quanto misterioso. Ela conta que em determinada pesquisa de campo, ao visitar a casa de um casal com filhos gêmeos, presenciou uma situação um difícil de acreditar: um dos gêmeos de pouco mais de dez meses de idade havia machucado o braço e chorava sem parar. Nenhum dos pais sabia o que tinha acontecido e, enquanto tentavam descobrir, o outro bebê gêmeo foi atrás do telefone da casa, em desespero, e o entregou para a mãe. De acordo com ela, poderia ser um pedido de que a mãe fizesse algo ou chamasse alguém capaz de acabar com a dor do irmão. “É um fato isolado que eu presenciei, mas posso dizer que eles conseguem se entender muito bem”, diz.
Para a psicóloga e psicanalista Ilcea Borba Marquez, o que pode muitas vezes acontecer é o nível de dependência de um gêmeo para com o outro chegar a ser tão forte a ponto de eles não serem capazes de distinguirem-se como pessoas distintas do par.
Ainda, para as gêmeas Lygia e Débora, esse tipo de história é balela. “As pessoas acham que um sente o que o outro sente, mas não é verdade”, comenta Débora. Lygia ainda brinca: “Imagina se eu sentisse toda vez que ela levasse um tombo? Nunca, isso não acontece”.
A mãe sempre sabe qual é qual
Mito. A psicóloga clínica Maria Elizabeth conta que, às vezes, os gêmeos podem ser tão idênticos que é muito difícil até para os pais saberem distingui-los desde o começo. Porém, isso não justifica que eles sejam sempre confundidos a ponto de não serem chamados pelos seus nomes. Isso pode causar problemas de identidade e, por isso, ela indica que desde o momento em que os pais saírem da maternidade, os pequenos passem a ter uma pulserinha ou algum outro objeto que os diferencie. Isso irá facilitar para que a criança aprenda o nome dela e evitará equívocos no dia a dia como alimentar a mesma criança mais de uma vez, por exemplo.
Eles ficam doentes juntos
Depende. Segundo a pediatra Renata Dejtiar Waksman, também autora do livro “Filhos Gêmeos” (PubliFolha), pode haver uma predisposição genética para que gêmeos, principalmente os univitelinos, desenvolvam as mesmas doenças. “Normalmente, até mesmo um desenvolve de maneira mais grave que o outro”, afirma. Mas claro, no caso de doenças genéticas. Maria Elizabeth ainda afirma que, quando um gêmeo pega uma doença contagiosa como a catapora, por exemplo, é comum que o outro também comece a apresentar os sintomas. “Mas por serem doenças que impliquem em um contágio, e não por serem gêmeos”, explica.
A mãe não precisa amamentar os dois ao mesmo tempo
Verdade. Realmente, não precisa haver desespero. De acordo com Renata, algumas mães até conseguem amamentar dois filhos ao mesmo tempo, mas considera melhor que isso não aconteça. Claro, essa atitude economiza tempo, mas os cuidados com os bebês não devem ser encarados como uma produção em massa. De acordo com a especialista, amamentar um de cada vez favorece o contato entre mãe e filho de forma mais íntima e completa.
IG MULHER