A juíza federal Niliane Meira está deixando a corte do Tribunal Regional Eleitoral nos próximos dias. A sua saída foi revelada pela própria juíza neste final de semana. Ela é á única mulher a integrar a corte e preside atualmente a Escola Judiciária Eleitoral, que ao longo desta última semana realizou um debate sobre reforma política.
Nesta entrevista exclusiva ao MaisPB, ela fala sobre o tema, destaca alguns pontos importantes de sua passagem pelo TRE e revela que juízes muitas vezes sofrem pressões da sociedade.
E desabafa: “o judiciário não é o culpado por todos os problemas”. Confira:
MaisPB - Qual o objetivo e a importância em debater a reforma política na Paraíba?
Niliane Meira - A Escola Judiciária Eleitoral entende como relevante trazer a discussão referente a reforma política para perto da sociedade e dos estudiosos em matéria eleitoral e ciências políticas. O tema é importantíssimo e tem questões muito relevantes que alterarão o sistema eleitoral e, portanto, a sociedade deve participar e contar com a contribuição de cientistas políticos. Se a sociedade não participar desse momento, com certeza sofrerá depois por não ter levado sua opinião ao legislador ou ao seu representante, já que no sistema democrático esse diálogo é um pouco falho. A sociedade tem que participar desse debate sim.
MaisPB - O TRE pretende levar a discussão para outros municípios da Paraíba?
Niliane Meira - Essa foi a primeira reunião agendada. Mas a Escola Judiciária tem debatido em escolas públicas sobre cidadania e também sobre reforma política. Acredito que talvez essa temática possa se expandir, mas atualmente não tem nada planejado ainda e, com certeza, será objeto de nossas reuniões.
MaisPB - A senhora como membro de uma Corte Eleitoral, quais os pontos que a senhora defende na reforma política?
Niliane Meira - Existem discussões que dizem respeito a alterações mais atinentes a Justiça Eleitoral. Mas é muito importante a discussão que está se travando referente ao refinanciamento público de campanha eleitoral e a questão das votações com listas fechadas para os cargos proporcionais. São temas importantes que deverão ser debatidos e estudados para que o país escolha a melhor possível.
MaisPB - A senhora acredita que a reforma vai sair do papel?
Niliane Meira - Têm mais de cem propostas de alteração da legislação. Parlamentares comentam que pelo volume a reforma não chegaria ao fim, mas alguns estão querendo pinçar as principais alterações para que sejam mais factíveis e profundas as discussões e assim se comece a colocá-la em prática. MaisPB - A senhora anunciou que vai deixar a Corte do TRE. Qual avaliação que a senhora faz desse biênio que ficou a frente da Escola?
Niliane Meira - Foi um momento importante para minha vida profissional. A Escola Judiciária Eleitoral faz parte de muitas discussões no Poder Judiciário. O Poder Judiciário está convencido que essas escolas têm papel importante, tanto para a formação de magistrados e servidores, quanto para o trabalho junto à sociedade. Nos dias atuais, infelizmente, o Judiciário é citado como alvo de morosidade e culpado por muitas questões que acontecem. Mas a sociedade tem que estar mais próxima para saber os percalços e os cuidados que um magistrado tem na análise de um processo. Para que o julgamento seja o mais qualificado, perfeito e condizente com a realidade.
MaisPB - A senhora chegou a falar que os membros da Corte não poderiam julgar apenas pelo que é imposto. Os juízes sofrem pressão aqui no TRE?
Niliane Meira - Na verdade, alguns juízes sofrem pressão sim. Porque hoje a sociedade quer uma resposta mais rápida da Justiça. Só que não pode ser atropelando, sem cuidado. Tem que ter coleta de prova e garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório. Um julgamento muito rápido pode acabar refletindo em falta de cuidado com o debate sobre algumas discussões do direito. Então tem que se buscar o equilíbrio. Até mesmo nas proposições legislativas sobre diminuição do volume de recursos. Em alguns processos presenciamos muitos recursos que foram para cumprir o direito de defesa. Então tem que se separar o joio do trigo e se discutir quando é razoável se eliminar recursos e oportunidades das partes se manifestarem para que o direito a defesa não seja tolhido e prejudicado.
MaisPB - Qual o principal desafio hoje da Justiça Eleitoral paraibana?
Niliane Meira - É ficar atenta a coleta de provas e trabalhar. Na verdade o desafio não ocorre de forma isolada. Ele só vai acontecer com o Ministério Público atuante, advogados atuantes e assim ela vai poder desempenhar bem o seu papel com mais rapidez e mais presteza. Porque as causas que chegarem vão ser amadurecidas através da atuação do próprio Poder Judiciário e dos advogados. Fora isso é necessário a estruturação das eleições, como por exemplo o voto biométrico, para que menos fraudes ocorram. Hoje o sistema já é muito seguro, mas com o sistema biométrico será impossível fraudar uma eleição por substituição de eleitor. São esses os principais desafios.
MaisPB - Hoje alguns poderes caem no descrédito da população. O mesmo também ocorre com o TRE?
Niliane Meira - Hoje o judiciário é tratado como algoz, culpado por algumas questões como a morosidade. Quando na verdade nós temos problemas na legislação. Eu poderia ser considerada suspeita para falar, mas vejo juízes trabalhando domingos, sábado e feriados para poderem dar respostas mais rápidas a processos e poder fazer isso com mais cuidados em relação aos processos, mas a população hoje tem uma visão de que o judiciário e culpado por conta da sua morosidade.
MaisPB - A culpa pela morosidade seria de quem?
Niliane Meira - Uma conjunção de fatores. Eu creio que dentro do Poder Judiciário deve ter culpados também, mas a classe não deve ser penalizada como um todo. O Judiciário deve em seus órgãos administrativos buscar uma forma de controlar isso para que haja o equilíbrio, no sentido de que aquele juiz que possa dar um pouco mais de dedicação ao trabalho, o faça. Mas existem problemas na legislação e para mim o grande problema é o relacionado a questão pública, das questões sociais. O emprego, a educação, pois esta também traz reflexo ao poder judiciário. Uma população formada cuturalmente com valores éticos com certeza traz reflexos na quantidade de ações no Poder Judiciário. Eu já fiz várias ações como juíza, às vezes uma falta de auto-critica, de noções sobre questões básicas de uma população se reflete nos processos. Então é uma conjunção de fatores. Se os três poderes trabalhassem na forma em que a Constituição proclama de forma independente e harmônica com certeza o Judiciário poderia dar respostas muito mais rápidas porque estariam preocupadas realmente com o que acontece.
MaisPB - Durante esses dois anos a senhora notou alguma coisa atípica no processo eleitoral paraibano que divergisse com o que acontece nos outros estados?
Niliane Meira - Com certeza. Essa questão foi até veiculada recentemente na imprensa. A Corregedoria do TRE fez uma pesquisa em volume de ações referente às eleições 2008 e observamos que pelo número de eleitores, somos um dos estados que temos mais ações impugnando resultados de eleições, não por causa de problemas do sistema adotado, mais com pedido de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra candidatos. Na verdade é um volume muito grande e eu fiquei muito impressionada durante esses dois anos que passei aqui. Talvez porque se tenha a crença de que se vai conseguir na Justiça uma reversão do quadro.
MaisPB - O TRE resolveu multar quem ingressa com muitos recursos protelatórios. Isso vai diminuir o número de ações?
Niliane Meira - A legislação prevê multa para aqueles que ingressam com recursos protelatórios. Mas os próprios juízes têm muita cautela. Aplicar uma multa a uma parte sob o entendimento de que usou uns recursos para protelar uma ação do Judiciário é uma medida que é feito com muito cuidado pelos juízes. Quando isso é feito é porque fica o flagrante. O poder Judiciário tem que as vezes ser tolerante com recursos, mas se ficar flagrante que realmente o recurso teve o objetivo de retardar a lei ele é multado.