5 de fev. de 2012

O dia em que Lampião se apoderou de Rita Lee

Xilogravura: J. Borges*


Por Christian Carvalho Cruz




Veje homi seu menino
Sente que vou lhe contar
Do dia que baixou Virgulino
Em um palco feito altar
Na Rita que não é a santa
Mas moça boa no falar

Antes contudo todavia
Um bocado acabrunhado
Peço a bença dos poetas
Que nessa arte têm mestrado
Não riam aqui deste mané
Um patavina do Assaré
Pois aquele um, o Virgulino
É o próprio Lampião
Falecido no Sergipe
Sítio deste dramalhão 
E Rita é a Lee a negra ovelha
Nossa mais digna pentelha
Foi na Barra dos Coqueiros
Sua cantoria derradeira
Armou-se grande festa
Pro adeus de uma roqueira
Agora não venham os dotô
Com essa chata choradeira
Vocês conhecem essa cara
Essa fala, esse cheiro
Portanto se desespantem
Com os modos de carroceiro
Ela ficou só pouco mais fula
Com o espírito do cangaceiro
Quando a dita assombração
Empreendeu sua manobra
Ocupando aquele corpo
De cabelo cor de abobra
Ela sentindo a ditadura
De cabrita virou cobra
Era noite alta e fresca
Quando surgiu a soldadesca
Bulindo o povo, acintosa
Atrás da tal erva venenosa
Lá de cima Rita viu
Parou o show, o céu caiu
E quando súbito se viu
A lua desaparecer
Na praça antes pacata
Foi um tal de se benzer
“Vixe cr’em Deus pai
O regabofe vai feder”
Possuída pelo fantasma
Do bandoleiro nordestino
Rita fez da voz o bacamarte
E da bala o seu hino
Chamou major de cachorro
O tenente de equino
A roqueira do cangaço
Disse tudo sem volteio
Oiô de frente a guarda
Exibiu dedo do meio
C’atitude obscena
Só cresceu o rebosteio
Nem o beiço quis molhar
Com água, suco ou fruta
Se dirigiu aos capacetes
“Seus filhos duma puta
Venham me pegar
Sou avó mas tô enxuta”
A razão e o motivo
De tamanho aporrinho
A Lampiona deixou claro:
A força bruta, o desalinho
No lombo da meninada
Causa dum baseadinho
Indo pra lá mais adiante
Não precisa de adivinho
Pra notar naquele grito
Também disparo de espinho
Contra os cabra que arrocha
Aluno, nóia e Pinheirinho
Por isso e mais um tanto
Que a mutante encrenqueira
Em seu verbo assoberbado
Pôs nos dente a peixeira
Dando devido sacolejo
Na triste vida brasileira
Quem ficou aperreado
Foi Déda governador
Disse e não é chiste
Que Rita está em seu playlist
Mas xingar homem da lei
É demais pra quem assiste
Não por outra o mandatário
Pensou ir ao tribunal
Cortar a paga do cachê
Mas evitou posar de mau 
Se Rita lamentasse o auê
“Causdequê?! Do fumacê?!”
Entremente o rebuliço
Muito apoio lhe foi dito
O filho Beto veio aqui
E confessou estar aflito
O titã Sérgio Britto:
“Fuck the police, viva Rita Lee!”
Ainda chefe de Corisco
64 anos e avó
Gulosa, escandalosa
Foi levada ao xilindró
E nas venta do delegado
Passou novo forrobodó
Causo tão misterioso
Os pelo sobe de alembrar
Mas juro ao senhor
Pela emoção não me guiar
Tava assim de cabra da peste
Que pode tudo confirmar
Do seio da luz brilhante
Veio o divino chanceler
Em pessoa o Padim Ciço
Com sua mágica colher
Futucou-lhe as entranhas
Rancou o capeta da mulher
A cantante estrebuchava
Se arrastando pelo chão
Pro marido ela explicava:
“Foi o calor da emoção”
E Roberto amparava: 
“Cospe, Rita, cospe fora o dragão”
Exorcizado o coisa ruim
Ordenou o padroeiro
“Rita, mia fia
Não atuo de bombeiro
Pois volte já pra rede
Escandalize os tuiteiro”
Ela beijou a mão do santo
Agradecida e juvenil
Pensou que bem podia
Ser presidenta do Brasil
Pra dar Panis Et Circenses
A essa gente tão gentil
Má ideia não seria
Pois artista não sobrou
Chico só quer bola
E Caetano caducou
Então vote em Rita Lee
Prum país mais rock and roll!
Vou parando por aqui
De sua paciência abusei
Minha lira se gastou
Das fantasias que cantei
Mas garanto meu amigo
Se aumentei não inventei.
O artista e cordelista J. Borges, premiado pela Unesco, fez esta xilogravura especialmente para ilustrar os versos acima. Ele tem 76 anos e vive em Bezerros (PE)