O peru deve ser inimigo número um do natal, pois é nesta época que o pobre coitado vira comida de tudo quanto é gente com dinheiro. Durante o ano come-se peru, mas com moderação, sem gula, de um jeito meio encabulado, diferentemente da galinha e do frango que viraram comida nacional desde que FHC disse ser a penosa a comida possível e acessível ao povo brasileiro. Mas o peru, este enorme vivente de papo inchado e difícil de matar, tornou-se a vítima nacional e internacional dos natalinos, preferencialmente acompanhado de farofa e de um bom vinho tinto.
Eu prefiro o chester e nisso tenho certeza que conto com a concordância do velho peru. É mais maneiro de se comer, mais barato de se comprar e até mais gostoso. A carne de peru é gordurosa, pesadona, cheia de couros. A única exceção que se faz é ao pescoço e assim mesmo se for pescoço de peru brasiliense, que tem gosto diferente e cheio de carne mole. Miguelzinho descobriu a iguaria e transformou-a em prato de tira-gosto necessário para acompanhar uma boa cachaça mineira.
Acho que foi na ânsia de preservar a espécie que alguém inventou de apelidar o pinto do homem de peru. Quem sabe, ganhando esse nome, ganharia também a solidariedade das mulheres e, assim, deixaria essa condição de vítima fatal do período natalino? Mas depois que algumas representantes da categoria feminina acharam melhor amassar o bom-bril, em vez de enfrentarem a "mandioca", o pobre do peru voltou a ser liquidado, torrado, cozinhado, comido e cagado pelo Brasil afora.
Foi em solidariedade ao peru que decidi: neste natal não o comerei. Mandei emissários ao sertão encomendar a Zé de Biu um peba para comer na noite de natal. Peba, arroz do Piancó e uma boa pitada de pimenta malagueta. Pouco importa que no dia seguinte o fiofó amanheça pedindo arrêgo, queimando mais do que bueiro de forno de padaria.
Tião Lucena