A redação do vozdepedra.com recebeu o e-mail de Solon Lira de Vasconcelos Neto, graduando do curso de Medicina da UFCG, que traz um artigo muito importante sobre um tema que tanto aflige os garimpeiros de nossa cidade e as autoridades de saúde pública: a Silicose. O texto foi escrito em linguagem científica e serve de referência bibliográfica para futuras pesquisas sobre o assunto e para nortear políticas públicas de prevenção à essa tão grave doença.
Veja a íntegra do artigo:
SILICOSE EM PEDRA LAVRADA,
PARAÍBA, BRASIL: REVISÃO DE
LITERATURA E CORRELAÇÃO COM
OS ACHADOS LOCAIS
Solon Lira de Vasconcelos
Neto1 *
Clarissa Melo Cabral1
Deborah
Rose Galvão Dantas2
Aline
de Sousa Alencar1
Andressa Rolim Braga
Gadelha1
Cíntia Gouveia Barros1
Daniel Hortiz de Carvalho
Nobre Felipe1
Heloíza Maria Gonçalves de
Souza1
Lívia Mirella Martins
Gomes1
Luizy Delça Filgueira
Lopes1
Mônica da Silva Oliveira1
Resumo
A silicose é considerada a mais antiga
doença ocupacional. Em 1870, Visconti descreveu uma enfermidade resultante da
deposição do pó de sílica nos pulmões, usando pela primeira vez o termo
silicose, uma doença com danos pulmonares e extra-pulmonares. Este trabalho
visa fazer uma revisão da literatura sobre silicose em mineradores de pedreiras,
sugerindo métodos de prevenção e rastreio e analisando a prevalência da doença
em Pedra Lavrada-PB, Brasil. A referida cidade apresenta um número
relativamente grande daqueles trabalhadores, por ser a mineração o sustentáculo
da economia local, existindo poucas publicações a esse respeito na região.
Foram realizadas pesquisas em livros, artigos em revistas, base eletrônica e
foi também pesquisada a prevalência na população local de mineradores. Foram
encontrados em 2004, três pacientes com silicose em estado grave e outras cinco
pessoas morreram em consequência da doença. rastreio. Palavras-chave:,
silicose, trabalhadores de pedreiras, revisão bibliográfica, prevalência.
SILICOSIS IN PEDRA
LAVRADA, PARAÍBA, BRAZIL: A LITERATURE REVIEW AND CORRELATION WITH
LOCAL PREVALENCE
Abstract
Silicosis
has been considered the most antique occupational disease. Visconti, in 1870,
described a disease caused by deposition of silica dust in the lungs, that
could lead to pulmonary and extrapulmonary damage.This study aims
to review literature about the prevalence of silicosis in stone mine workers
and suggests screening methods and prevention to the
disease, analyzing the prevalence of silicoses in Pedra Lavrada town, state of Paraíba, Brasil.The referred town has
a relatively high number of that kind of workers,for being mineration the
fulcrum of local economy .Similar studies done in that region weren’t found
significantly in literature. With this purpose, a literature review was done in
books, magazines articles, virtual health library ; the prevalence of silicosis
in local mine workers were researched aswell. In 2004, three cases of patients
with severe silicosis were related and five more patients died due to the
disease. This study suggests screening methods and prevention
to the disease. Key-words: silicosis, stone mine workers, literature review,
prevalence.
Introdução
A silicose é conhecida desde a
Antiguidade. São desta época os primeiros registros que documentam a existência
de múmias egípcias com patologias pulmonares, que correspondem ao que
atualmente se denomina silicose. Nas sociedades antigas, a poeira de sílica era
liberada como resíduo em atividades de mineração, de construção e na produção
de produtos de decoração.
Com o crescente processo de industrialização,
ocorreu um aumento da utilização de minerais, como quartzo, feldspato, berílio
dentre outros, que durante sua extração e manuseio inadequado, liberam grande
quantidade de poeira de sílica, resultando em uma exposição maior dos
trabalhadores. A sílica em forma de poeira, que corresponde ao dióxido de
silício, SiO2, após ser inspirada, e se deposita nos pulmões, constituindo
uma etapa imprescindível à manifestação da pneumoconiose.
O termo silicose, utilizado pela
primeira vez por Visconti em 1870, descreve a patologia resultante dessa
deposição de pó de sílica nos pulmões. É uma doença pulmonar de caráter
crônico, com evolução progressiva e irreversível, sendo considerada a mais
antiga doença ocupacional. A silicose é a pneumoconiose mais prevalente no
Brasil e no mundo. É a principal causa de invalidez entre as doenças
respiratórias ocupacionais.
No Brasil, os primeiros estudos
epidemiológicos sobre a ocorrência de silicose, foram realizados pelo
Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), em minerações de ouro de
Minas Gerais. Teixeira et al. (1940),
em um destes primeiros trabalhos, publicou um estudo sobre a higiene das minas
de ouro: Silicose - Morro Velho - Minas Gerais. Dos 2.197 trabalhadores de
subsolo examinados clinicamente, 908 submeteram-se à radiografia de tórax.
Destes trabalhadores, 304 foram considerados portadores de silicose em algum de
seus estádios, número este correspondente a 33,5% dos radiografados e 13,8% de
todos os trabalhadores examinados. Outros estudos como o de Franco (1974),
realizado em 200 trabalhadores de pedreiras no Município de Ribeirão Preto — SP
descobriu 23 casos de silicose, o que correspondeu a uma prevalência de 11,5%.
Em estudos mais recentes, realizados
nos anos de 1999 e 2000, observou-se 34.066.789 trabalhadores formalmente
ocupados no Brasil. Destes, 1.815.953 (5%) estavam expostos à sílica em mais de
30% da jornada semanal de trabalho, Ribeiro (2003). No mesmo estudo,
constatou-se que entre as atividades econômicas, aquelas que apresentaram maior
percentagem de expostos foram: construção civil com 62% de expostos; extração
mineral com 61%; indústria de minerais não-metálicos com 55%; metalúrgica com
23% de expostos.
Segundo Mendes (1980), não se tem
dúvida em salientar a importância do trabalho em pedreiras como sendo de
elevado risco para manifestação da silicose, principalmente à luz dos trabalhos
de Franco (1974). No Brasil, especialmente em Pedra Lavrada não é diferente, a
atividade nas pedreiras é caracterizada por ser constituída, quase sempre, por
estabelecimentos pequenos, dispersos, com condições de trabalho muito
primitivas. Tudo isso torna difícil a introdução efetiva de medidas adequadas
de higiene do trabalho, o que permite a existência de um lugar extremamente
propício ao desenvolvimento da silicose.
O município possui uma área de 391,4 km2,
distante 232 km da capital João Pessoa, Paraíba. O mesmo está localizado na
mesorregião da Borborema e na microrregião do Seridó Oriental da Paraíba.
Segundo dados do IBGE (2007), possui uma população de 6.810 habitantes. De
acordo com a Cooperativa de Mineradores de Pedra Lavrada (2009), haviam cerca
de 450 trabalhadores na mineração.
Tendo em vista a escassez de estudos
que abordem a silicose como problemática social e econômica na região Nordeste,
mais especificamente na Paraíba, e a ausência de artigos científicos que
registrem e discutam a situação em Pedra Lavrada, percebe-se a importância e
necessidade deste apanhado bibliográfico e coleta de dados no município
estudado, para exposição e registro desse importante problema de saúde pública.
Espera-se que após a discussão dos
dados coletados, o problema seja compreendido localmente em todo o seu curso
evolutivo. A partir de então, se abre a possibilidade para a prevenção da
doença, especificamente em Pedra Lavrada, haja vista a proposta de
individualização de estudo do problema, que constitui o objetivo do presente
artigo.
Material
e Métodos
Trata-se de uma revisão bibliográfica
sobre a silicose em outros países e no Brasil, com posterior comparação destes
dados com os obtidos no município de Pedra Lavrada, privilegiando a discussão
no município e o registro científico do problema nesta localidade.
Após escolha do tema e a delimitação a
ser investigada, foi feito um levantamento bibliográfico das publicações sobre
a silicose em mineradores de pedreiras. Concluída esta etapa, foi realizada a
coleta dos dados que permitissem exprimir a situação do município de Pedra
Lavrada. É preciso registrar a necessidade de recorrência a métodos
alternativos à pesquisa bibliográfica, tendo em vista a indisponibilidade de
literatura específica sobre o tema no município.
Foram realizadas pesquisas em livros,
resumos, catálogos, manuais, base de dados, periódicos especializados e em base
eletrônica, por meio das palavras chaves:
“silicosis”,
“prevalency” e “epidemiology” (vide referências bibliográficas), promovendo a
abordagem do tema no Brasil e no mundo.
Não foram encontrados registros na
literatura que se referissem diretamente a Pedra Lavrada, apenas de modo genérico,
como Paraíba ou Nordeste do Brasil. Foi necessária a coleta de informações em
organismos oficiais de saúde e também representativos da classe, como
Secretaria Municipal de Saúde e Cooperativa dos Mineradores de Pedra Lavrada.
Com as devidas autorizações, documentos como
prontuários de pacientes, e atestados de óbitos foram analisados na Secretaria
de Saúde. Na Cooperativa, os dados foram somente coletados através de dados
fornecidos pelo presidente. A mesma não dispunha de um acervo com registros de
dados pessoais dos associados.
Os mineradores e profissionais de
saúde do município foram entrevistados a fim de fornecerem informações
necessárias à compreensão do problema local. Aqueles forneceram descrições
sobre o ambiente e condições de trabalho, bem como impressões pessoais, e estes
informações relevantes sobre a situação clínica dos mesmos, além de dados
oficiais contidos em prontuários e atestados de óbitos.
No ano de 2003, uma escola municipal
de Pedra Lavrada, realizou um importante registro da silicose no município.
Tratou-se um trabalho multidisciplinar, realizado entre alunos do ensino médio,
sob orientação dos professores. No referido estudo, os alunos por meio de
pesquisas em campo, entrevistas a garimpeiros e profissionais de saúde, tendo
como meio facilitador o fato de alguns serem filhos de mineradores, elaboram
diferentes registros de suas pesquisas, como relatórios e alguns registros
artísticos, como poemas e histórias em quadrinhos.
Embora não seja possível catalogar
sistematicamente estes registros bibliograficamente, os mesmos foram deveras
importantes para uma compreensão inicial do tema. Serviram também como ponto
norteador para o estudo local, especialmente no que se refere a entrevistas de
mineradores e profissionais de saúde. Os dados deste trabalho encontram-se
arquivado na secretaria da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Média Maria
Elenita de Vasconcelos Carvalho, e foram gentilmente cedidos para consulta.
Neste
material, encontram-se, por exemplo, cópias de resultados de análises químicas,
realizada em 1997, pelo Departamento de Análises Minerais do então Campus II da
Universidade Federal da Paraíba (hoje Universidade Federal de Campina Grande).
Tratava-se de uma análise de um dos principais produtos de mineração em Pedra
Lavrada, o quartzo, um mineral de vasta aplicação industrial, como em indústria
de vidros e componentes de computadores.
Trata-se um
cristal constituído por 99% de sílica, e que durante seu manuseio pelos
mineradores, desprende minúsculas partículas de poeira de sílica, as quais são
facilmente inspiradas, e depositadas na intimidade pulmonar. Tal processo, ao
longo dos anos, permite o desenvolvimento da doença.
Embora os
documentos encontrados na referida escola tenham sido indiscutivelmente
relevantes, os mesmos foram criticamente analisados e optou-se pelo registro
dos que apresentasse algum valor científico, dispensando-se registros menos
elaborados, como por exemplo, pinturas e poemas. Todavia, estes tem sua
importância quando permitem conhecer a visão da população sobre o tema, além de
revelarem a importância da doença para a cidade, sendo motivo de um estudo que
envolveu a escola durante um bimestre de um período letivo.
Em suma, a
revisão bibliografia da silicose enquanto doença, problema mundial e nacional
baseou-se em análise de resumos,
catálogos, manuais, base de dados, periódicos especializados e base eletrônica.
O problema específico de Pedra Lavrada foi registrado por meio de análise
criteriosa dos materiais acima citados e da entrevistas a mineradores e
profissionais de saúde. Estas entrevistas não seguiram um roteiro
pré-estabelecido.
Inicialmente os entrevistados eram
solicitados a comentarem sobre o tema silicose, ou doença do “pó da pedra” como
é conhecida localmente. A partir disso, questões sobre o conhecimento de algum
portador da doença, descrição sobre o ambiente de trabalho e uso de materiais
de proteção eram lançadas aos entrevistados. Os dados mais importantes dessas
entrevistas seguem no item discussão.
A pesquisa foi direcionada a
mineradores que exerciam suas atividades nos locais de trabalho acima descritos
e realizadas em suas residências. Não foram pesquisados os mineradores em empresas
devido à impossibilidade de se conseguir, em tempo hábil, autorização dos
responsáveis para visita aos locais.
Discussão
Em relação à patogenia da
silicose temos que: após a inalação, o pó de sílica promove uma reação
inflamatória que leva à formação de tecido cicatricial nos pulmões. A exposição
continuada ao agente irritante pode levar a incapacidade de trocas gasosas e ao
desenvolvimento de doenças pulmonares e em outros órgãos e sistemas do
organismo, como por exemplo, tuberculose, enfisema, limitação crônica ao fluxo
aéreo, doenças auto-imunes, câncer do pulmão e insuficiência cardíaca.
Segundo Lopes (2006), não há
tratamento para a silicose no momento, e as tentativas terapêuticas
restringem-se ao controle das complicações cardiovasculares, infecciosas e
outras. O transplante pulmonar é uma tentativa possível em casos de
insuficiência respiratória grave. Todavia é uma última opção, tendo em vista os
riscos envolvidos.
Nos
EUA foi responsável, Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (1998),
por 14.824 óbitos entre 1968 e 1994, 207 deles em indivíduos com idades entre
15 e 44 anos. Na França, a silicose pulmonar, em 1975, colocou-se em terceiro
lugar entre as 64 doenças ou grupos de doenças profissionais definidos na
legislação daquele país. Foram notificados, em 1975, 616 casos, ou seja, 13% de
todas as doenças profissionais. Segundo Mendes (1980), na América Latina, notadamente
nos países de expressiva atividade extrativa mineral, a silicose tem-se
constituído um problema de saúde pública de graves dimensões. Somente em três
países — Peru, Chile e Bolívia — eram conhecidos, em 1967, mais de 4.500 casos.
A
Organização Mundial de Saúde reconhece e destaca a prevalência da silicose no
Brasil e de modo especial nas minas de quartzo do Nordeste. Dados colhidos pela
Organização revelam que na região, a escavação de minas através de camadas de
rocha com alto teor quartzo (97%), gera uma grande quantidade de poeira em
espaços confinados, resultando em uma prevalência de 26% da silicose, em muitos
casos resultando em óbitos em curto espaço de tempo a partir do início da
doença.
Mendes (1980) explica que o risco de
desenvolvimento da silicose depende basicamente: da concentração de poeira
respirável, da porcentagem de sílica livre e cristalina na poeira, do tamanho
das partículas e da duração da exposição.
Tem-se, portanto, a poeira de sílica
como o fator etiológico isolado mais importante para manifestação da silicose e
a escavação de minas como um ambiente gerador de grande quantidade desta
poeira. Um ponto agravante dessa situação em Pedra Lavrada é o fato de a cidade
situar-se no semi-árido. Os períodos de estiagem aumentam a aridez dos solos e
as brisas no município são constantes. Com isso, a liberação de poeira se torna
muito mais significativa do que em regiões que apresentam índices
pluviométricos mais elevados. Inclusive, dentre as recomendações do Ministério
do Trabalho para higiene coletiva de ambientes silicogênicos, encontram-se
instruções para umidificação periódica do ambiente de trabalho, a fim de
diminuir a quantidade de agentes nocivos inspiráveis.
As pedreiras do município, em sua
maioria, encontram-se em locais afastados da zona urbana, e portanto, sem
acesso a água encanada. Os locais de mineração geralmente também estão longe de
reservatórios de água, como açudes, rios ou poços. E mesmo os que são próximos,
não dispõem de mecanismos, como bombas propulsoras e tubulações, que
permitiriam o transporte dessa água até local de trabalho com vistas à
umidificação do solo, minerais e demais fontes de poeira.
Os métodos de proteção coletiva, como
o acima citado, além de revezamento dos trabalhadores, de modo a não passarem
mais do que duas horas seguidas no ambiente de trabalho constituem os primeiros
cuidados que devem ser seguidos no ambiente laboral.
De modo complementar, e nunca como
medida isolada, os métodos coletivos de proteção devem ser reforçados pelos
equipamentos de proteção individual. No caso em questão, estes equipamentos são
roupas, luvas, calçados, e óculos adequados, além de respiradores e a
disponibilidade de um local para banho dos trabalhadores. Isto permitiria a diminuição
da poeira carregada em suas roupas e no próprio corpo. Estas medidas não são
adotadas na maioria das pedreiras de Pedra Lavrada, devido às limitações
financeiras, a falta de conhecimento por parte dos mineradores, a falta de
incentivo por parte de gestores públicos e também a falta de hábito dos
mineradores em usarem estes matérias.
É importante salientar que o caráter
improvisado e a forma como muitos trabalhadores iniciam suas atividades,
especialmente em períodos de estiagem prolongados, impossibilitam um
planejamento prévio. A urgência em se conseguir uma fonte de renda que permita
a subsistência, é uma das justificativas.
Baseando-se em informações prestadas
pela Cooperativa de Mineradores de Pedra Lavrada e em estimativa do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, para o ano de 2007, cerca de 6,6%
da população do município trabalha na mineração.
Algumas pedreiras são unidades
familiares. Em outros casos, o proprietário paga semanalmente aos mineradores e
estes não participam dos lucros. Em outra modalidade de relação entre
proprietário como os mineradores, estes exploram as pedreiras e pagam uma
porcentagem dos valores, quando os minérios são vendidos. Neste caso, os
mineradores não recebem nenhum valor enquanto não vendem. Isto causa a venda
dos produtos por baixos preços, geralmente ao primeiro comprador que se
apresente interessado pelos minérios.
Localmente as pedreiras são
denominadas por “banquetas”. Os mineradores iniciam suas atividades com
materiais rudimentares (como pás e picaretas) que podem ser propriedade de
algum dos mineradores ou então são compradas à crédito.
Em face das carências expostas, do
baixo nível cultural, da necessidade emergencial de se conseguir dinheiro, da
falta de políticas públicas, da desinformação dos mineradores, além da falta de
hábito no uso de equipamentos individuais de proteção, é possível se delinear
uma compreensão do motivo pelo qual um ambiente que já é naturalmente propício
ao desenvolvimento da silicose, consegue ser ainda mais hostil à saúde dos
mineradores.
Embora a instalação de empresas de
exploração mineral, nos últimos cinco anos, tenha absorvido uma parcela da
mão-de-obra local, muitos mineradores ainda trabalham nas condições
extenuantes, improvisadas e primitivas acima expostas. Sem instrumentos
adequados de proteção coletiva ou individual. Ver figura 01
Segundo o Serviço de Vigilância
Epidemiológica, vinculado à Secretaria Municipal de Saúde de Pedra Lavrada, 29%
dos pacientes atendidos na Unidade de Saúde local, no ano de 2004, tinham algum
problema respiratório. No mesmo ano, havia três pacientes com silicose em
estado grave e entre 2000 e 2004, cinco pessoas morreram por conta da doença.
Há casos nos quais a silicose não é
registrada no atestado de óbito, constando a causa mortis por outros
motivos, DPOC, enfisema ou parada cardiorrespiratória. Uma justificativa para
tal conflito quanto ao adequado preenchimento do atestado de óbito se deve ao
fato de que a silicose está associada a uma série de outras morbidades.
Figura 1. Trabalhador de pedreira de extração de quartzo em Pedra Lavrada. |
Corrobora para a gravidade do
problema, o fato de não existir nenhum método de rastreio da doença nos
mineradores. Ao longo do apanhado bibliográfico que aborda o tema silicose, é
comum que populações inteiras de mineradores de um determinado local ou
ambiente de trabalho sejam submetidos a radiografias a fim de se procurar por
sinais indicativos da doença.
Desse modo, seria uma alternativa
interessante a criação, por parte dos órgãos de saúde, de alguma comissão
dedicada a rastreio, prevenção e tratamento dos pacientes com silicose, tendo
em vista a importância da mineração para aquele município. Devido ao baixo
custo de uma radiografia de tórax, quando comparado a outros recursos
diagnósticos, presume-se a viabilidade de se submeter uma população previamente
analisada clinicamente a radiografias de tórax. Algo semelhante ao realizado no
programa nacional de rastreamento do câncer de mama, quando mulheres a partir
de 40 anos de idade, tem indicação de realizarem uma mamografia anualmente.
Todavia, a detecção da pneumoconiose
através do método de rastreio não será possível antes que alterações graves e
irreversíveis estejam instaladas nos pulmões. Este método de rastreio não
previne a silicose, mas sim detecta precocemente a doença já instalada, que
pode, neste momento do diagnóstico, está ou não clinicamente manifesta.
A silicose é classificada no grupo III
das doenças ocupacionais. Isto significa que para sua ocorrência não há outra
maneira que não seja a exposição à poeira de sílica inspirável, de modo
contínuo e por vários anos. Todavia devem-se registrar algumas raridades de
populações de desertos que apresentam a doença por conta da inspiração da poeira
de areia rica em sílica. A prevenção, por métodos coletivos, individuais, e o
rastreamento da população, devem ser alguns dos mecanismos indispensáveis de
saúde pública preconizados para àquela população. O rastreamento isolado não
previne a doença e deveria se prestar ao diagnóstico dos raros casos que não
seriam evitados pelos métodos de proteção do trabalhador.
Conclusão
Desde estudos de grandes populações,
como a pesquisa retrospectiva americana realizado pelo CDC (1998), até o estudo
realizado em Pedra Lavrada, os problemas se repetem: carência da população
trabalhadora, baixo nível cultural, desinformação dos mineradores, falta de
hábito no uso de equipamentos individuais de proteção e falta de políticas
públicas ou não fornecimento de equipamentos de proteção pelos empregadores.
O curso natural da doença, verificado
em Pedra Lavradra, é semelhante ao de outros locais analisados: trabalhadores
que lidam com algum minério, sem uso adequado de materiais individuais ou
coletivos de proteção, expostos por longos períodos de tempo a poeira de sílica.
Em pequenos estabelecimentos de
trabalho, como os relatados no presente artigo, a maioria é dirigida por
pequenos mineradores. O grande lucro e riqueza fácil, que tradicionalmente são
atribuídas à atividade mineral, se existem com a exploração mineral em Pedra
Lavrada, não foram registradas durante a visita da equipe de pesquisa e nem
podem ser percebidas na imagem anexa. Sendo assim, a culpa, da ocorrência
destes casos de silicoses em uma pequena cidade, com renda per capita de R$ 3.300,00 – IBGE (2007), não devem ser atribuídas a
pequenos mineradores que precisam do dinheiro da mineração para suas
subsistências.
Estas formas de trabalho, embora
primitivas e que contrastam diametralmente com as sofisticadas indústrias de
vidros e equipamentos eletrônicos da qual são os primeiros fornecedores, não
podem violentamente serem reprimidas e condenadas. Representam a fonte de renda
de cerca de um quinto da população daquele município e são fontes de matérias-primas
imprescindíveis para algumas das indústrias atuais. O que é necessário, tanto
em Pedra Lavrada, como em outros locais do mundo, são mecanismos eficazes de
Saúde Coletiva, que combatam doenças facilmente preveníveis por meios primários
de prevenção.
Embora possa parecer distante e surreal
a aplicação de métodos de proteção coletiva, como a umidificação do ambiente de
trabalho em uma das regiões mais áridas do Brasil, juntamente com os meios
individuais de proteção, isto se torna algo necessário e urgente quando se
imagina a quantidade de homens jovens, com cerca de 40 a 50 anos de idade, que
perdem suas vidas devido ao trabalho.
Trata-se de um quadro dramático. São
homens que há poucos dias exerciam atividades exaustivas, com necessidade da
plenitude de suas forças físicas e que com a manifestação da doença, se veem
acamados ou impossibilitados de realizarem mínimos esforços. São formadas
gerações de órfãos e viúvas com o desolador padecimento do ente próximo. A
silicose é uma doença, que interliga da sua origem e no seu fim, preocupantes
problemas sociais.
Trata-se de um grave problema social e
de saúde que perdura devido à ingerência e descaso daqueles que podem fazer
algo para evitá-lo. Quando se sabe da gravidade de uma doença crônica, e de
rápida evolução para o óbito, torna-se mais interessante e racional o
direcionamento para a prevenção da mesma, e como método complementar, a
realização de rastreamento na população.
Como já discutido, isso pode parecer
difícil, embora seja necessário e uma obrigação dos que podem fazê-lo. Afinal,
qual seria o fundamento da ciência, especialmente em um campo do saber tão
voltado às necessidades mais imediatas do indivíduo, como a medicina, se não
ser usada em benefício de quem precisa?
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