20 de set. de 2011

PEDRA LAVRADA DE LUTO: José Alves Sobrinho morre aos 90 em Campina Grande


A voz que José Alves Sobrinho recuperou após uma enfermidade nas cordas vocais é a que a Paraíba, desde o último sábado, tornou a perder com o seu falecimento.



O poeta, cordelista e pesquisador da cultura popular, morreu no último dia 17, em Campina Grande, em decorrência de um câncer, deixando uma vasta bibliografia que inclui folhetos de cordel e algumas obras de referência como o Dicionário Bio-bibliográfico de Repentista e Poetas de Bancada (Editora da UFPB, 1978), que assinou em coautoria com Átila Almeida (1923-1991).


Segundo o poeta Astier Basílio, a importância de José Alves Sobrinho, que nasceu José Clementino de Souto, em Pedra Lavrada, em 1921, pode ser medida pela envergadura de sua obra: "Ela (o dicionário) é o seu maior testemunho e legado, e já garantiria a Zé o lugar mais elevado entre os nomes da poesia popular nordestina em todos os tempos".


Zé Alves Sobrinho deixou ainda livros inéditos para a posteridade, entre eles: Cantadores com quem Cantei e Memórias de um Cantador. "Zé foi um repentista elegante, que primava tanto por se vestir bem, como por dominar a língua culta, destacando-se como expoente nos tempos dos cantadores de rádio, sendo o cantador oficial da rádio clube do Recife", acrescenta Astier.





Alves Sobrinho: Um lavradense que vale por uma enciclopédia

Por José Alisson Pinheiro de Araújo


Pedra Lavrada possui um filho muito ilustre: José Alves Sobrinho, mas que todos chamam de Zuzu. Ele é uma das raras pessoas no mundo que tiveram a honra de ser objeto de estudo cultural. Ele é um monumento vivo do saber, um manancial de sabedoria que jorra sem cessar.

Ele foi um dos poucos cantadores de viola que, além de dominar esta difícil arte, conseguiu transmitir todo o seu conhecimento e experiência em vários livros, como o “Lampião e Zé Saturnino”, “Glossário da Poesia Popular, “Sabedoria de cabôco”, “História de Campina Grande em Versos”, “Matulão de um Andarilho e Cantadores e “Repentistas e Poetas Populares”.

Entre anotações e lembranças, livros e fotografias, José Alves possui um dos maiores arquivos de Cultura Popular do Brasil.

José Alves Sobrinho ganhou o Prêmio Leandro Gomes de Barros pela Secretaria de Educação e Cultura do Município do Recife, foi Sócio Fundador da Associação de Poetas e Folcloristas do Brasil, Cidadão da Poesia pela Ordem Brasileira de Literatura de Cordel, Membro Fundador da Comissão Paraibana de Folclore. Em 2004, Zé Alves recebeu a Medalha Honra ao Mérito Cel. Elísio Sobreira e em 2006 assumiu a cadeira de número 1 da Academia Paraibana de Literatura de Cordel.

A imensa maioria dos cantadores de ontem e de hoje, era formada de homens de poucas letras e muita inspiração. Mas este lavradense foi muito além, deixando para a posterioridade e para a cultura brasileira um conjunto de obras que abarca todo o conhecimento de uma vida a serviço da cultura popular.

Em 1977, entrou para Universidade Federal da Paraíba como pesquisador a convite do professor Átila Almeida. Juntos publicaram: o dicionário Bio-bibliográfico de Repentistas e Poetas de Bancada, a sua obra-prima.

Estudiosos do Brasil, dos Estados Unidos, da França, da Alemanha, dentre outros, vieram até ele em busca da sua experiência e do seu saber. Dezenas de teses de mestrado e de doutorado se inspiraram dos seus saberes folclóricos e musicais. Os seus conhecimentos provocaram a criação de uma cátedra na Universidade de Tolouse (França) e ainda é correspondente das universidades de Poitiers e de Montpelier (França) e de San Francisco (EUA). E uma pesquisadora, não satisfeita com o que aprendeu do mestre, resolveu escrever a sua biografia em alemão ! E, como um tributo ao mestre, em 2007 foi feito um vídeo documentário intitulado “A voz do poeta” mostrando a sua trajetória.

Tamanha sapiência não poderia deixar de causar espanto, e ele foi convidado para lecionar na Universidade, nos cursos de Pós-Graduação, como professor visitante, como detentor privilegiado de um saber cultural.

Vamos agora falar do homem.

Ele veio ao mundo no sítio Pedro Paulo e aprendeu a ler já “taludão” por obra de abnegadas professoras que iam ensinar dois meses por ano “no mato”, na expressão dele próprio. Com tão pouco tempo de ensino, foram necessários três anos seguidos para que ele aprendesse a ler !! Perdeu a sua mãe ainda no início da vida, sendo criado pelos avós.

Desde cedo demonstrou ter vocação para o verso e para a viola. Aos 11 anos ele assistiu uma cantoria pela primeira vez; aos 13 ele já estava fazendo cantorias pela região. Ele construiu uma violinha a partir de uma caixa de charutos, até que ganhou de um vizinho uma viola de verdade.

Num passado distante ser cantador não era profissão de muito prestígio, tanto que o seu pai quebrou uma viola em sua cabeça quando ele tinha treze anos, inconformado com a realidade de que um filho seu fosse um repentista ! E ainda o obrigou a mudar o nome para “evitar constrangimentos”. Assim é que “José Clementino de Souto” (ou Zuzu para os conterrâneos) tornou-se “José Alves Sobrinho”, um “nome artístico” que iria acompanhá-lo para o resto da vida.

Quando completou quinze anos, não suportando a opressão paterna, fugiu pelo mundo. Na “fuga”, passou por Parelhas, desceu pelo Junco do Seridó e foi fixar residência em Patos, mas com uma curta temporada no Ceará. Em 1938 escreveu o seu primeiro folheto, cujo título era “Quem matou também morreu”, sobre Lampião que tinha morrido há pouco.

Foram cinco anos longe de Pedra Lavrada e do seu amor de adolescência que ficara na lembrança a espera de um final feliz; e ele resolveu retornar para lutar por esta paixão. E como foi grande a sua alegria quando soube que ela ainda estava solteira ! O avô do prefeito Tota, seu Deomedes Barros, serviu de “pombo-correio” para o amigo, até que ele criou coragem e dirigiu-se a casa dela, na Fazenda Sossego, para pedir sua mão a seu pai. Porém, ele recebeu uma recusa de pronto por causa da sua condição de cantador. Mas como o amor ninguém segura, eles resolveram se casar sem o consentimento, chegando de surpresa na missa onde tudo estava planejado para o enlace. Após a bênção do padre, selando o casório, ele falou para a amada: “__ Prá você ver o que é o casamento: já começa sofrendo !” O pai dela soube do fato um pouco depois; inconformado, ele chegou com uma corda debaixo do braço para castigar a filha desobediente, mas, rendendo-se aos fatos, apenas disse: “__ Me apresente ao seu marido !”

Uma vez casados, eles foram residir em Cuité onde passaram cinco anos. Em 1946, ele teve a honra de participar do primeiro programa de repentistas da Paraíba, na Rádio Cariri. Alguns anos depois, transfere-se para a Rádio Caturité.

No início dos anos 50, uma grande oportunidade profissional surgiu para Alves Sobrinho. Houve um encontro dos governadores nordestinos em João Pessoa e todos foram se confraternizar no engenho de Heretiano Zenaide, em Alagoa Grande, ele que foi o autor do clássico “Aves da Paraíba”. O nosso poeta, já um velho conhecido do anfitrião e apresentado pelo amigo Zé Lins do Rego, foi convidado para demonstrar a arte da cantoria. Dentre os presentes estava o homem mais poderoso do Brasil daquele tempo, o magnata da imprensa e paraibano Assis Chateaubriand Bandeira de Melo. Ele gostou tanto do desempenho do nosso Zuzu que lhe perguntou:
“__ O senhor já cantou em rádio? Saiba que sou o dono dos Diários Associados e pode escolher a estação que quer cantar.”


E ele foi contratado pela Rádio Clube do Recife, na época uma das melhores do Brasil. Quando chegou lá, o diretor espantou-se com o prestígio do mestre, porque a ordem do seu patrão era conceder-lhe meia hora no horário nobre ! E no dia oito de dezembro de 1953 ele começou o programa “Noites matutas” que durou até 1957. Em seguida, ele veio trabalhar na Rádio Tabajara, mas um problema sério em sua garganta o retirou para sempre das cantorias. Para sobreviver, ele tornou-se representante comercial viajando entre a Bahia e o Maranhão. Também visitou o Rio e São Paulo, enquanto residia no Recife.

Ao longo da sua vida, conheceu e tornou-se amigo de grandes personalidades culturais do Brasil, do porte de Zé Lins do Rego, de Câmara Cascudo e do nosso contemporâneo Braúlio Tavares. Ele duelou com o mais afamado dos repentistas de todos os tempos, Pinto do Monteiro. Conheceu Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. E estas pessoas geniais certamente serviram de inspiração do escritor e pesquisador que o Brasil ganharia.

Zuzu pode ter perdido a voz de cantador nos seus anos mais produtivos e inspiradores, mas a poesia fez morada dentro do seu espírito e nunca irá sair.


Publicado originalmente no www.pedralavrada.com em 18-12-2009